CONSIDERAÇÕES SOBRE O ARTIGO “…TU ES PETRUS, ET SUPER HANC PETRAM AEDIFICABO ECCLESIAM MEAN…” DE AUTORIA DO PROFº MOEZIO DE VASCONCELOS COSTA SANTOS.

  1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES.

 

Chegou até minhas mãos artigo jornalístico escrito pelo Profº Moezio de Vasconcelos Costa Santos, intitulado “..Tu es Petrus, et super hanc petram aedificabo ecclesiam mean...” publicado no mês de maio/2007 em tablóide mensal denominado O Apóstolo (veículo de comunicação de orientação cristã-católica mantido pela Diocese do Penedo), em razão da visita de Bento XVI ao Brasil.

A pedido do próprio articulista, meu consórcio da Academia Penedense de Letras, debruço-me sobre o texto publicado no intuito de tecer algumas considerações, labor que, diga-se de passagem, muito me alegra, porquanto o artigo, ora enfocado, se enveredou por caminhos que tenho curiosidade de percorrer, pois sou confesso quanto ao meu fascínio pela teologia, embora com ela ainda não me tenha enlaçado. Assim sendo, considero a minha aceitação para exercer a presente crítica como uma atitude exageradamente atrevida, mas, ao mesmo tempo, consentânea com o meu entusiasmo, pois que também exagerado, de modo que entre a ousadia e a negativa de aplacar o meu afã de discorrer sobre o tema mencionado, preferi a intrepidez à abstenção.

O artigo é bastante didático, escrito com a facilidade de quem dorme com os livros. O estilo elegante torna o texto prazeroso de ler, sendo tudo isso fruto do acúmulo de leituras transversalizadas, haja vista a polivalência do articulista que permeia pela filosofia, teologia e pelas ciências jurídicas há algumas décadas, onde a sala de aula e a pesquisa têm sido, praticamente, o seu habitat mais propício.

A veia de Professor se revela no curso de todo artigo, não só pelos pequenos apanhados históricos (compatíveis com o fôlego do artigo que já foi extenso para o tamanho do jornal), mas, também, pela forma como foi desenvolvido, uma vez que o itinerário percorrido pelo artigo não foi aleatório, ao estilo braim storm, mas, sim, fiado numa trama didática, situando o leitor acerca do que se quis dizer. Em outras palavras, o Professor Moézio situou o leitor em relação ao papado, à sua consolidação no decorrer da história, do seu significado e a sua interpretação sobre o que representa a viagem ao Brasil do mandatário do Vaticano (englobando aí os objetivos diplomáticos perseguidos por Bento XVI).

Dessa forma, detectamos no texto o seguinte itinerário: A origem do papado; o seu fundamento; a posição cronológica do atual mandatário do Vaticano; a sua eleição; o seu perfil (pensamento teológico) e possível comportamento em relação a determinados temas polêmicos (aborto e células tronco) e não tão polêmicos, tal como o lidar com o jovem e com as demais religiões, cristãs ou não; defesa do estudo do latim (língua oficial do mundo católico); os títulos papais; intenção papal de promover o ecumenismo em relação à igreja ortodoxa e às igrejas reformadas, bem como a tolerância e o respeito no que tange ás religiões não cristãs; a missão política e a missão religiosa do Papa; o dogma da infalibilidade papal; e, por fim, os compromissos que o Papa terá ao chegar ao Brasil, dentre eles, a canonização de Frei Galvão.

Embora este tenha sido o itinerário do artigo, para a nossa análise não seguiremos, necessariamente, esta ordem, ademais, para sermos mais práticos, condensamos os pontos visitados pelo autor e os renomeamos, de modo que foram, um a um, desenvolvidos, uns mais, outros menos, conforme o nosso arbítrio. Nessa esteira, temos que os temas suscitados no artigo do Profº Moézio, basicamente, são: a) a ascendência de Pedro sobre os demais apóstolos, de modo que ele teria uma autoridade espiritual outorgada por Cristo para apascentar o seu rebanho, conforme o próprio título do artigo sugere; b) a sucessão apostólica que teria sido iniciada por esse apóstolo; c) o perfil do pontificado de Bento XVI, tanto no que tange ao relacionamento com as demais denominações cristãs (ecumenismo) ou não, como, também, quanto a temas ligados a descobertas científicas, mormente questões de bioética, aborto e liberalismo sexual; d) o primado salvífico da igreja católica; e) infalibilidade papal; f) beatificação e canonização dos chamados santos católicos; g) e a interseção desses santos junto ao Criador.

Afora o primado de Pedro, a questão da sucessão apostólica, o estudo do latim e a questão envolvendo o início da vida, não há, no artigo, apologia aos demais temas suscitados, mas, tão somente, uma menção, e isto se deu, acreditamos, por dois motivos: primeiro, porque não era naquele espaço o ambiente próprio para tal atitude, haja vista o fôlego de que dispõe um tablóide, sendo absolutamente inoportuna uma análise percuciente do ponto de vista político-teológico; segundo, porque são temas consolidados dentro do catolicismo, não precisando de maiores explicações, até mesmo porque “O Apóstolo” é um jornal católico veiculado numa cidade de maioria católica. Contudo, mesmo havendo apenas as referidas menções, tomamos a liberdade de desenvolver alguns dos temas mencionados, aproveitando o espaço que, no nosso caso, é bem maior do que aquele onde foi escrito o artigo aqui criticado, sendo que, na maioria das vezes, apresentaremos uma visão antagônica à orientação romana defendida pelo eminente Professor. Todavia, em relação aos temas constantes das letras “e”, “f” e “g”, embora, como dito acima, tenhamos uma percepção antípoda à do Profº Moézio de Vasconcelos (pois nos alinhamos à doutrina cristã reformada) não serão alvos da nossa abordagem, por dois motivos: o primeiro, porque se trata de dogmas defendidos pela Igreja Católica, cujos fundamentos transcendem as Escrituras, desalinhando-se ao sola scriptura (somente as Escrituras), o que tornaria esta análise prolixa; e o segundo, porque não é o objetivo da presente crítica fazer uma apologia da igreja reformada em relação ao catolicismo romano. Desse modo, a nossa análise se prenderá precipuamente a alguns aspectos históricos sem, contudo, pretender ter a última palavra, mas, tão somente, uma palavra divergente.

Por fim, não posso deixar de advertir o leitor que a minha abordagem levará consigo toda uma carga teísta-cristã, de modo que minhas confrontações não utilizarão outra fonte que não o Velho e o Novo Testamento, pressuposto que é conditio sine qua non para o desenvolvimento da presente crítica.

Passemos à análise.

 

  1. DAS IDEIAS QUE AFLORAM DO TEXTO

 

Comecemos pelo título, donde estarão englobadas as letras “a” e “b” acima referidas.

“Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha igreja”. Esta é uma afirmativa de grande força e poder e, além de ser uma promessa para todos os cristãos no sentido de serem partícipes da igreja de Cristo, tem sido utilizada pelo Vaticano para fundamentar a ascensão de Pedro em relação aos demais apóstolos, bem como tem sido utilizada para fundamentar a criação da figura do Papa como líder espiritual de toda cristandade, uma vez que Pedro teria sido o primeiro Papa diante de tal declaração.

É uma passagem, sem dúvida, que requer muita atenção, por dois motivos principais: primeiramente, não é citada no Evangelho de Marcos a parte que diz “e sobre esta pedra edificarei a minha igreja”, fato que tem um importante significado, como veremos adiante; e em segundo lugar, porque há uma confusão entre as palavras Cefas (Kephas) e petra, pois como será demonstrado têm significados diferentes.

Entretanto, em primeiro lugar, perguntamos: por que é que o fato de esta passagem não ser mencionada no evangelho de Marcos (o de Lucas também não menciona) tem grande importância para melhor compreendê-la? Vejamos. Marcos, por muito tempo, foi companheiro de Pedro (I Pe 5.13) e segundo Eusébio, foi deste que Marcos coletou suas informações para redigir seu evangelho, assim sendo, é absolutamente estupefaciente que se Pedro entendesse ser ele mesmo a pedra-fundamento da igreja, isto não tivesse sido anotado por Marcos. É óbvio que tal fato, pela magnitude que representaria, deveria ter sido registrado, contudo, o evangelista que esteve mais próximo de Pedro não tem do apóstolo qualquer informação sobre ser este a pedra que sustentaria a igreja de Cristo. (MARTINEZ; e DA SILVA)

Apenas para lembrar, todas as vezes que a Bíblia se refere a pedra em sentido espiritual, a pedra se confunde sempre com Deus. No livro do profeta Isaias, o Messias já era anunciado como a pedra de esquina (Is. 28:16):

“Portanto, assim diz o Senhor Jeová: Eis que eu assentei em Sião uma pedra, uma pedra já aprovada, pedra preciosa de esquina que está bem firme e fundada; aquele que crer não se apresse”.

 

O próprio Jesus afirmou ser ele mesmo essa Pedra, Mateus 21:42,44:

Diz-lhe Jesus: nunca lestes nas Escrituras: A pedra que os edificadores rejeitaram, esta foi posta por cabeça do ângulo; pelo Senhor foi feito isso e é maravilhoso aos nossos olhos?”

 

Essa indagação de Jesus teve por fundamento o salmo 118:22 que diz: “A pedra que os edificadores rejeitaram tornou-se a cabeça da esquina”.

Entendemos que a Igreja de Jesus não poderia ser construída sobre homem algum, pois que falho e pecador todos nós somos, mas, sim, edificada sobre o próprio Cristo que é o cabeça da Igreja e o único perfeito com poder suficiente para derrotar o inferno e todas as suas potestades.

Observe o que teólogo e historiador católico Peter De Rosa, citado por MARTINEZ e DA SILVA, diz acerca deste assunto:

 

Ouvir que os grandes pais da igreja não viam conexão alguma entre essa passagem (Mateus 16:18) e o papa é algo que pode abalá-los. Nenhum deles aplica ‘Tu és Pedro’ a qualquer pessoa, exceto a Pedro. Um após o outro, eles analisam: Cipriano, Origenes, Cirilo, Hilário, Jerônimo, Ambrósio, Agostinho. Eles não são exatamente protestantes. Nenhum deles chama o bispo de Roma de uma pedra ou aplica a ele especificamente a promessa das chaves. Isso é assustador para os católicos… As surpresas não param por aí. Para os pais, é a fé de Pedro — ou o Senhor em quem Pedro tem fé — que é chamado de a pedra, não Pedro.” [Vicars of Christ (Vigários de Cristo), De Rosa, 24].

 

Outro fato que merece destaque é a confusão feita entre os termos Kephas  (ou Cefas) e Petra, ou entre Petros e Petra. Na passagem em comento Jesus se refere a Pedro como Kephas, o que não se confunde com o termo petra designativo de pedra. Ora, Kephas  é o nome de Pedro, pois conforme João 1:42: “(…) Jesus, fixando nele o olhar, disse: Tu és Simão, filho de João, tu serás chamado Cefas (que quer dizer Pedro)”, de modo que para Pedro ser a  pedra em que a igreja seria construída, seria necessário que na passagem sob comento Jesus dissesse: “Tu és Kephas e sobre esta Kephas edificarei a minha igreja”, ou “tu és Pedro e sobre este Pedro edificarei a minha igreja”, o que não ocorre. O Petros (de “tu és Petros”) significa pedregulho, e petra (de “sobre esta pedra”) significa rochedo, algo inabalável. Realmente fica claro que foi sobre a confissão de que Ele (Jesus) era o Filho de Deus que a igreja seria edificada, e não sobre quem fez a confissão. Lembremos que esta pergunta foi feita a todos os apóstolos que ali estavam, e não a Pedro especificamente, embora a resposta tenha sido a ele revelada. (MARTINEZ; e DA SILVA)

Vejamos a questão por outro ângulo. Observe-se a resposta de Jesus: “(…) E eu te digo que tu és Pedro (apenas) e sobre esta pedra (= a sua confissão) edificarei a minha igreja (os parênteses são nossos). O comentário de Jesus, sem dúvida, se dá por conta da confissão de Pedro, é sobre ela que Jesus se refere ao dizer “sobre esta pedra” e isto porque quem nela crê (que Jesus é o Cristo Filho do Deus vivo”), terá a vida eterna.

Lembremos, também, que o nome do apóstolo não foi mudado como aconteceu com a mudança de Abrão para Abraão, ou de Sarai para Sara. Quando tal mudança acontecia, o velho nome não era mais mencionado, o que não é o caso de Pedro, pois que seu nome foi apenas acrescentado como bem atesta Lucas: “agora, pois, envia homens a Jope e manda chamar a Simão, que tem por sobrenome Pedro” (Atos 10:5,18,32 – 11:13). E ainda que tivesse sido mudado, definitivamente Cefas é Cefas e petra é petra, distintos, portanto.

Por fim, o significado de “Petros” e “Petra” é consonante com o contexto doutrinário e teológico do N.T. conforme demonstram o historiador MARTINEZ e o teólogo DA SILVA, anteriormente citados:

Sendo “Petros” um fragmento tirado da grande rocha, há de se ver uma conotação com todos os cristãos como petros, e isto é descrito pelo próprio Pedro: “vós também, quais pedras vivas, sois edificados como casa espiritual…” I Pedro 2:5 (ênfase acrescentada). Por sua vez todas elas estão edificadas sobre a grande Petra que é Jesus Efésios 2.20. Agora compare estes dois versos: “E quem cair sobre ESTA PEDRA será despedaçado; mas aquele sobre quem ela cair será reduzido a pó…” E eu te digo que tu és Pedro, e sobre ESTA PEDRA edificarei a minha Igreja…” (ênfase acrescentada). Indubitavelmente, na primeira e na segunda sentença Jesus é a pedra.

 

O próprio articulista, o Profº Moézio de Vasconcelos, menciona uma passagem em que esse grande apóstolo Pedro, momentos depois de ter sido instrumento do Espírito Santo ao fazer a confissão de que Jesus é o Cristo Filho do Deus vivo, foi influenciado por Satanás no intuito de dissuadir Jesus acerca de sua obra salvífica, sem falar que mais à frente, este apóstolo, como todos sabem, veio a negar Cristo por três vezes. Tais episódios demonstram, claramente, que Pedro, assim como todos os homens, foi falho e carecia da misericórdia divina. Aliás, está escrito que “todos pecaram e destituídos estão da Glória de Deus”.

No que tange a outra passagem citada pelo articulista: “E eu te darei as chaves do Reino dos Céus. E tudo que ligares sobre a terra, será ligado também nos céus, e tudo que desatares sobre a terra, será desatado também nos céus”, também merece muita atenção. Nesse sentido, peço vênia para citar um trecho um tanto longo de um artigo dos críticos acima mencionados:

Conquanto sabemos ser a chave outorgada realmente a Pedro para “abrir” e “fechar”, no entanto cabe salientar que foram as chaves do Reino do  Céu e não da Igreja que foram dadas…e Reino do Céu não é a Igreja! O uso dessas chaves estavam antes nas mãos dos fariseus (cf. Lucas 11:52). Essas chaves representam a propagação do evangelho de arrependimento de pecados, pelo qual todos os cristãos, e não Pedro apenas, podem abrir as portas dos céus para os pecadores que desejam ser salvos. Tanto é, que em Mateus 18:18 Jesus a confia aos demais apóstolos; Pedro, portanto, foi o primeiro a usá-la em Pentecostes, onde quase três mil almas foram salvas, depois, a usou para pregar ao primeiro gentio Cornélio. É esta a chave que abre a porta, não é prerrogativa exclusiva do hierarca católico. Ninguém tem poder de monopolizá-la como querem os Católicos Romanos.

Certo site Ortodoxo comentando sobre o assunto em lide, disse com muita propriedade: “Para a Igreja una e indivisa a interpretação desta passagem do Evangelho é toda outra. Como disse Orígenes (fonte comum da Tradição patrística da exêgese), Jesus responde com estas palavras à confissão de Pedro: este torna-se a pedra sobre a qual será fundada a Igreja porque exprimiu a Fé verdadeira na divindade de Cristo. E Orígenes comenta: “Se nós dissermos também: ‘Tu és o Cristo, Filho de Deus Vivo’, então tornamo-nos também Pedro (…)  porque quem quer que seja que se una a Cristo torna-se pedra. Cristo daria as chaves do Reino apenas a Pedro, enquanto as outras pessoas abençoadas não as poderiam receber?”. Pedro é, então, o primeiro “crente” e se os outros o quiserem seguir podem “imitar” Pedro  e receber também as mesmas chaves.

Diante de tais ponderações, divergimos da assertiva feita pelo Profº Moézio de Vasconcelos acerca de que no momento em que Jesus dá as chaves dos Céus a Pedro inicia-se ali a sucessão apostólica. Aliás, como veremos adiante, entendemos não haver qualquer fundamento bíblico ou histórico para a figura do “Papa”, o que nos remete a infirmar, também, a existência de qualquer sucessão apostólica que se tenha iniciado com Pedro.

Analisando as Escrituras, seria forçoso reconhecer qualquer passagem que demonstrasse haver alguma autoridade espiritual de Pedro sobre qualquer outro apóstolo. Ao contrário, fica bastante claro que Pedro jamais aceitaria um posto que significasse proeminência, fastígio ou qualquer outra distinção. Lembremos do caso de Cornélio, o primeiro gentio convertido. Por conta da conversão ocorrida com este romano, Pedro teve de dar explicações aos demais apóstolos, pois com Cornélio, um gentio, Pedro se misturou e fez refeição. Se houvesse alguma superioridade espiritual de Pedro sobre os demais, tais explicações seriam desnecessárias.

Aliás, a respeito de qualquer superioridade de um sobre o outro apóstolo Jesus se manifestou de forma categórica rechaçando esse tipo de idéia. Faço, ainda, uso das palavras dos multicitados autores MARTINEZ e DA SILVA:

Certa feita tal idéia foi sugerida ao mestre (Mateus 20:18-27) que no mesmo instante a rechaçou dizendo: “…Sabeis que os governadores dos gentios os dominam, e os seus grandes exercem autoridades sobre eles.Não será assim entre vós; antes, qualquer que entre vós quiser tornar-se grande, será esse o que vos sirva; e qualquer que entre vós quiser ser o primeiro, será vosso servo;…” (ênfase acrescentada). Noutra feita essa questão foi novamente levantada. (cf. Lucas 22:24) Veja que se os apóstolos tivessem cientes desta utópica promessa, de maneira alguma teriam levantado esta questão e o próprio pescador Galileu, ou mesmo Jesus, haveriam de esclarecer-lhes o primado de Simão Pedro sobre eles, a recordar a alegada promessa em Mateus 16:18. Mas não o fez, simplesmente por não existir.

O próprio Pedro desfaz essa lenda ao dizer que: “ninguém tenha DOMÍNIO sobre o rebanho…” (cf. I Pd. 5:1-3) Não se pode ver aí nenhum vestígio de superioridade, supremacia ou destaque sobre os demais, pois ele mesmo se igualava aos outros dizendo: “…que sou também presbítero com eles…” Pedro jamais mandou! Pelo contrário, foi mandado e obedeceu (Atos 8:14), fazendo jus às palavras de Jesus “Não é o servo maior do que o seu senhor, nem o enviado maior do que aquele que o enviou.” (Jo. 13:16)

 

Mais adiante, falando acerca da Patrística, (que são os escritos dos cristãos primitivos), os autores afirmam que ainda ela não robustece a pretensão do Vaticano:

Dos inúmeros “pais da Igreja”, somente 77 opinaram a respeito do assunto de Mateus 16:18, sendo que 44 reconheceram ser a fé de Pedro a rocha. 16 deles julgaram ser o próprio Cristo  e somente 17 concordaram com a tese vaticana. Nenhum deles afirmavam a infalibilidade de Pedro e tão pouco o tinham como papa. Exemplo disso é S. Agostinho que em seu Livro I, Capítulo 21 das Retratações (Livro escrito no fim da sua vida, para retratar-se de seus escritos anteriores) expressamente afirma que sempre, salvo uma vez, ele havia explicado as palavras Sobre esta pedra – não como se referissem à pessoa de Pedro, mas sim a Cristo, cuja Divindade Pedro havia reconhecido e proclamado.

Superado este ponto, partamos para outra argumentação que, entretanto, guarda relação, ainda, com a questão da sucessão apostólica.

Em determinado trecho do artigo, o Professor Moézio de Vasconcelos afirma que: “Nos primórdios da Igreja, os sucessores de Pedro eram chamados apenas Bispos de Roma”. Tal afirmativa nos remeterá a uma outra discussão histórica: teria sido Pedro o fundador da Igreja de Roma e, portanto, o seu primeiro bispo? Ou, ainda, teria Pedro estado em Roma?

Sobre o fato de Pedro ter sido o fundador da Igreja de Roma a Bíblia nada fala. Ao contrário, se formos buscar nas entrelinhas algo sobre o assunto, encontraremos indícios contrários a essa idéia. Para entendermos esse impasse, vejamos, primeiramente, em breves linhas, como era a comunidade cristã primordial, como se organizava e como se dava a administração das igrejas.

Em excelente livro sobre a História da Igreja Cristã, Robert Hastings Nichols (2004) assim afirma sobre o assunto:

As igrejas primitivas eram independentes, com governo próprio que decidia sobre todos os seus negócios e problemas. Os cristãos insistentemente afirmavam que pertenciam à Única Igreja Universal, pois todos eram um em Cristo, mas nenhuma organização de caráter geral exercia controle sobre as inúmeras igrejas espalhadas por toda parte. Os primeiros apóstolos eram reverenciados, em virtude do contato que tiveram com Cristo, e exerciam certa autoridade, como pode ser deduzido da decisão tomada quanto aos cristãos gentios e a lei judaica, como se vê no capítulo 15 de Atos. Paulo exercia autoridade em virtude de sua posição de apóstolo e de seu trabalho extraordinário. Mas a autoridade desses homens não derivava do seu cargo, nem se expressava numa organização formal.

O Novo testamento fala de oficiais que se ocupavam do ministério da pregação e do ensino. São conhecidos como apóstolos, profetas e mestres. O nome de “apóstolo” não era restrito aos companheiros de Jesus, mas pertencia também a outros pioneiros do Evangelho que levavam as boas-novas aos novos campos. (…) Todos esses exerciam seus ofícios não pela indicação de qualquer autoridade, mas porque revelavam estar habilitados para esses cargos pelos dons do Espírito Santo.

O Novo Testamento fala de outro tipo de ministério que dizia respeito aos negócios das congregações. Sobre isso não sabemos muita coisa. Parece que não havia nenhum modelo de organização para todas as igrejas, mas estas agiam livre e independentemente, e seus métodos diferiam. Em algumas igrejas fundadas por Paulo havia dois grupos oficiais: os anciãos ou presbíteros, também chamados bispos, que eram superintendentes; outro grupo era de diáconos. Os anciãos ou bispos tinham o encargo do pastorado, da disciplina e dos negócios econômicos.

Consoante ensina Nichols, não havia qualquer organização centralizante que fosse comandada por alguém, ao contrário, as igrejas eram independentes e os bispos podiam ser várias pessoas que estivessem aptas para o cargo, não havendo um bispo mais importante que outro, por conta mesmo da independência aqui falada, o que torna a questão da sucessão papal estranha aos primórdios da igreja cristã.

Contudo, aos poucos, as funções eclesiásticas foram ganhando distinção em relação ao leigo, e isso se deu no século II, como nos mostra NICHOLS (2004):

Durante esses séculos aconteceram várias mudanças na atitude do ministério. A distinção entre um clérigo e um leigo, desconhecida no século 1º, foi aparecendo gradualmente. Bispos, presbíteros e diáconos eram separados, distintos, na posição que ocupavam, dos demais membros das igrejas. (…) No ano de 251 a igreja de Roma, a maior das igrejas tinha mais de 150 clérigos de várias categorias.

Mesmo com essa mudança, podemos perceber que ainda não há qualquer força centralizante, qualquer poder ou burocracia instalada que administrasse um rebanho composto por várias igrejas. Isso só se dará quando da criação do movimento católico, já no 3º quartel do séc. II.

Em face da independência que havia entre as igrejas, faltava uma certa homogeneidade entre elas, o que se podia perceber, por exemplo, no concernente aos livros inspirados do Novo Testamento que eram adotados por cada uma, ou mesmo em relação à forma como cada igreja era administrada. Assim sendo, a fim de tornar uniforme alguns aspectos da rotina e do credo, já que também alguns ventos de doutrina estranha já começavam a contaminar algumas igrejas (como o gnosticismo), foi criado o movimento católico, que iria cumprir o seu objetivo formando associações de igrejas unidas por meio de um acordo formal em que três aspectos deveriam ser respeitados por todos os membros:

“As igrejas que faziam parte da associação chamada “católica” eram unidas, em primeiro lugar, por terem uma só forma de governo, isto é, bispos, presbíteros, diáconos; segundo, pela adoção de um só credo, substancialmente o Credo dos Apóstolos; terceiro, por todas reconhecerem e receberem uma só coleção de livros do Novo Testamento.”(NICHOLS:2004)

Apesar da uniformização pretendida pelo movimento católico, ainda não havia surgido um governo geral da igreja. Tudo era resolvido por meio de sínodos ou reuniões de bispos, entretanto, uma discussão foi travada entre os líderes acerca da idéia de unidade da Igreja: que a unidade repousava na concordância das percepções dos bispos. A outra foi que a unidade consistia na aceitação da autoridade de um bispo, o bispo de Roma. Sendo a igreja da capital do império a maior e mais rica de todas as igrejas, naturalmente ela cresceu em poder e influência. A partir do século 2º, os bispos de Roma começaram a reivindicar a autoridade geral. Um século mais tarde essa liderança já tinha sido reconhecida no ocidente, não, porém, no oriente.

Quanto ao surgimento do papado, vale a pena o trecho do historiador MARTINEZ:

O Sistema Católico Romano começou a tomar forma quando o Imperador Constantino, convertido ao Cristianismo presidiu o l.o Concílio das Igrejas no ano 313. No Século IV construíram a primeira basílica em Roma.

As Igrejas eram livres, mas começaram a perder autonomia com Inocêncio I, ano 402 que, dizendo-se “Governante das Igrejas de Deus exigia que todas as controvérsias fossem levadas a ele.”Leão I, ano 440, aumentou sua autoridade; alguns historiadores viram nele o primeiro papa. Naqueles tempos ninguém supunha que “S. Pedro foi papa”, fora casado e não teve ambições temporais.

O poder dos pretensos papas cresceu ainda mais quando o Imperador Romano Valentiniano III, ano 445, bajulado, reconheceu oficialmente a pretensão do papa de exercer autoridade sobre as Igrejas. O papado surgiu das ruínas do Império Romano desintegrado no ano 476, herdando dele o autoritarismo e o latim como língua, embora o primeiro papa, oficialmente falando, foi Gregório no ano 600 d.C.

Ora, é tão estranha às Escrituras e mesmo à história da igreja primitiva cristã a instituição do papado, quanto o fato de que Pedro teria sido o primeiro bispo de Roma e que ele teria fundado esta igreja. Para esclarecer essa questão, utilizamos algumas perguntas encontradas num site de apologia reformada. De fato, elas são suficientes para sentenciar sobre este tema, senão vejamos:

  1. Se Pedro esteve em Roma, então por que a Bíblia não diz nada sobre isto, já que menciona muitas cidades por onde passou como Jerusalém, Samaria, Lida, Jope, Cesaréia, Coríntios, Antioquia… mas sobre Roma no entanto, não diz nada?!

 

2       Porque Lucas “o historiador” não se preocupou em registrar nada sobre o “príncipe dos apóstolos” e seu episcopado em Roma, pelo contrário voltando-se quase exclusivamente ao ministério de Paulo?

 

  1.  Paulo escreveu sua epistola aos Romanos (56-58) enviando saudações a 26 pessoas, mas o nome do “São Pedro” se quer é mencionado. Porventura deixaria Paulo de mencionar Pedro, caso estivesse ele em Roma e aí fosse bispo? Outrossim, Paulo ao enviar as “cartas do cativeiro”, escritas em Roma envia saudações citando nominalmente 11 irmãos. Se Pedro estivesse em Roma teria Paulo omitido seu nome em todas as quatro cartas?

 

  1. Demais disso, não teria Paulo invadido o território jurisdicional de Pedro ao enviar uma carta de instruções corretivas àquela Igreja? Onde estava Pedro que não instruía os romanos sobre a justificação pela fé?

 

  1. Entre os anos 60-61 Paulo chega preso em Roma (At. 28:11,31), Lucas registra que os irmãos foram vê-lo (At. 28:15). Mas onde estava Pedro que não foi receber seu colega de ministério?

 

  1.  Suetonius Tranquillus, pagão, na Biografia do Imperador Cláudio, diz: “Judacos, impulsore Cresto, assidue tumultuantes Roma expulit”. Quer dizer: – O Imperador Cláudio expulsou de Roma os Judeus que viviam em contínuas desavenças por causa de um certo Cresto (Cristo). Ora, Cláudio foi Imperador desde o ano de 41 até 54. Logo, durante esses treze anos não era possível que Pedro residisse em Roma.
    No Capítulo 18 dos Atos dos Apóstolos, lemos que Paulo, depois do célebre discurso no Areópago, seguiu para Corinto, onde se encontrou com Áquila e sua esposa Priscila, recentemente chegados de Itália, pelo motivo de Cláudio Imperador ter mandado sair de Roma a todos os judeus. Ora, este encontro do Apóstolo deu-se no correr da sua segunda viagem apostólica, isto é, entre os anos de 52 a 54. Logo, ainda nesses anos Cláudio não permitia a permanência de judeus em Roma. Como ficaria lá São Pedro, que, como Apóstolo, devia necessariamente chamar a atenção geral sobre sua pessoa?

 

  1. Se Pedro estivesse em Roma no ano 60 como afirma a tradição, como então deve se entender as palavras de Jesus a Paulo em Atos 23:11 que diz: “Importa que dês testemunho de Mim também em Roma.” Ora, onde estava Pedro “o Papa” da cristandade que não tornava conhecido o nome de Jesus nesta cidade ?

 

  1. Paulo foi a Roma a primeira vez prisioneiro, em virtude de haver apelado para o Tribunal de César, pelos anos de 60 ou 61, lá não encontrando cristãos entre os judeus. Ora, se S. Pedro estivesse em Roma pregando exclusivamente aos judeus como nos garante Eusébio, como se pode explicar a ignorância dos principais judeus de Roma, que disseram a Paulo: “Quereríamos ouvir da tua boca o que pensas, porque o que nós sabemos desta Seita (dos Cristãos) é que em toda parte a combatem”. Então Pedro, durante dezoito anos, poderia permanecer desconhecido dos principais judeus de Roma? Ele, a quem fora confiado o Ministério aos circuncidados no dizer de Paulo (Gal. 3,7-10) e de Eusébio Pámphili?

 

  1.  Ora, mas se Pedro estivesse preso, não seria esta a razão de sua omissão? Neste caso Paulo seria relapso em não registrar este fato como fez com seus demais companheiros de prisão (cf. Colossenses 4:10 – Filemon 23).

 

  1.  Dizem os estudiosos católicos que Pedro morreu no reinado de Nero em 69 d.c, outros colocam o ano de 67, e ainda outros 64. A tradição diz que ele exerceu o episcopado durante 25 anos. Subtraindo 25 de 69 chegamos ao ano de 44 onde afirma a tradição que Pedro chegou a Roma (Hist. Ecl. II – XIV) Esta tese encontra duas grandes dificuldades: A primeira é que o edito de Nero expulsando os judeus durou de 42 até 54, motivo também da expulsão de Áquila e Priscila. Pedro não seria exceção tampouco! A segunda é que no ano 45, Pedro escreve sua primeira epistola, e que por sinal não era de Roma, mas de “Babilônia”, cidade existente naqueles dias (I Pedro 5:13).

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  1. Se Roma tem a primazia por ser supostamente considerada a cidade em que Pedro alegadamente exerceu seu ministério, então razão maior deveria ser dada a Antioquia, pois diz a mesma tradição que antes de Pedro ir para Roma exerceu primeiro seu episcopado em Antioquia deixando lá seus sucessores: Evódio e Inácio.

 

  1. Porque estudiosos católicos como Rivaux, Fank, Hughes e Daniel Rops se contradizeram ao fazer as listas dos bispos de Roma já que usaram a mesma tradição como fonte?

Por tais razões, divergimos do Profº Moézio de Vasconcelos quanto à origem do papado.

O segundo tema que decidimos abordar é o relativo ao perfil do pontificado de Bento XVI, tanto no que tange ao relacionamento com as demais denominações cristãs (ecumenismo), como, também, quanto a temas ligados a descobertas científicas, mormente questões ligadas à bioética, aborto e liberalismo sexual.

A doutrina religiosa não é norma de cultura.

Diante da sucessão papal que ganhou grande destaque na mídia mundial, alguns assuntos atinentes ao comportamento da Igreja Católica (IC) quanto a sua doutrina vieram à tona, haja vista que somente com uma alternância do dirigente dessa superestrutura político-religiosa pode-se vislumbrar uma mudança de estilo e, até mesmo, a possibilidade de incorporar novas posturas que importem na aceitação de situações até então consideradas ou como sacrílegas ou como heterodoxas à tradição da Igreja Católica, tais como o casamento homossexual e a ordenação de sacerdotisas, respectivamente.

De um modo geral a sociedade civil, mormente jornalistas, políticos e lideranças, emitem suas opiniões no sentido de que Roma precisa mudar e acompanhar os novos modismos sociais, vez que a IC estaria “démodé” e desinteressante para o rebanho, motivo pelo qual estaria perdendo tantos adeptos pelo mundo afora. Basta digitar no Google (principal site de busca da web) a expressão entre aspas: “a igreja católica está perdendo adeptos” que se verificará que tal idéia é bastante difundida. Ou seja, a sociedade ao que parece alienada no que concerne à Palavra de Deus, quer lidar com a IC como quem lida com uma empresa ou um clube social, cujos sócios, descontentes com a administração atual, exigem mudanças na política administrativa, achando que a doutrina religiosa se comporta como as regras jurídicas que se adaptam aos novos valores da sociedade sob pena de não pacificarem os ânimos que naturalmente se inflamam ante a contraposição de interesses individuais, como se norma de cultura fosse. Ledo engano.

Ora, acredita a IC que seus dogmas e tradições têm inspiração divina e que os ensinamentos contidos na bíblia também foram inspirados por Deus, de sorte que, se assim crê, é evidente que a sua doutrina não pode estar em negociação com o “mundo”. As pessoas, no entanto, ignorantes de que é preciso ser muito mais que “boazinhas” para agradar a Deus, acham que a Palavra de Deus pode ser negociada e que o “radicalismo” é coisa de uma igreja retrógrada. Em contrapartida, a Bíblia nos ensina no livro de Mateus 24: 25, que “O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não hão de passar”, deixando claro que a palavra de Deus não vai se adequar aos caprichos do homem. Se a Bíblia diz que o homem divorciado que se casa novamente comete adultério (salvo se por motivo de traição ou abandono), é porque isso é válido para sempre. Se a Bíblia afirma que os homossexuais, os feiticeiros, os mentirosos e os idólatras não entrarão no céu, isso vale para sempre! Não há o que se negociar. Note-se que os maiores defensores de uma abertura da Igreja são os mais descomprometidos com o Evangelho. Na verdade, eles querem uma igreja mundana, que tolere a embriaguez, o adultério, a fornicação, as conversas concupiscentes e que se conforme com a ida à missa dominical uma ou duas vezes ao mês, contando os minutos para que acabe logo, achando que Deus olha para o exterior esquecendo do coração.

Eles querem uma igreja que sirva aos seus interesses. Dizem eles: “Deus, eu sei que Tu existes, mas, ficas aí que eu fico aqui, tá bom? Não se preocupe que eu sou bonzinho, não faço mal a ninguém, sou honesto, pago minhas contas em dia, não dou calote em ninguém, dou esmola de vez em quando, contudo, não abro mão da minha cervejinha, e de minhas puladas de cerca para “renovar o casamento”… Ah, sim! Gosto também de conversar sobre pornografia, mas, é tudo muito sadio! De vez em quando eu minto, dou vazão à ira, ou sinto uma pontinha de inveja, ou desejo por uma garota bonita que passou por mim, enfim, esses pecadinhos que não são nem pecados, é ou não é, afinal, a carne é fraca!” Não se preocupe! Qualquer coisa eu Te chamo.” Ou seja, as pessoas querem criar uma doutrina pessoal como se estivessem num self-service doutrinário, em outras palavras,  vão concordando com o que lhes agrada chegando mesmo a um sincretismo religioso, unindo ingredientes de várias doutrinas, de modo que com aquilo que vai de encontro aos seus vícios carnais ou ao puro intelecto, estes vão sendo excluídos do prato ou nem sequer para o prato vão. O que Cristo disse somente tem validade até onde a pessoa concorda. A partir do momento que o evangelho entra em choque com a tal da “cervejinha”, com a permanência na ignorância bíblica, com a inanição de orações e com a não santificação: me desculpe mas Jesus não disse isso  – ou simplesmente: isso é fanatismo.

Vê-se, portanto, que a ignorância da sociedade civil acerca do cristianismo tem sido a causa de várias distorções, tornando o Papa o alvo principal da sandice generalizada. Acho até possível que a IC possa negociar algumas regras, tais como o celibato, diante de tantos escândalos protagonizados por parcela significativa de seus sacerdotes, contudo, faço votos de que o que for bíblico jamais entre em negociação.

 

A questão da manipulação de células-tronco embrionárias.

 

Ora, questões relativas a pesquisas científicas, tais como células-tronco nada mais são do que a constatação de que a ciência apenas atesta o que a Bíblia diz. A ciência já sabe, por exemplo, que o sucesso nos procedimentos para regeneração de tecidos e outros mais que se utilizam de células-tronco, são satisfatório com as células-tronco adultas. Os procedimentos que utilizaram as embrionárias, ao contrário, vêm causando reações extremamente negativas, sendo, hoje, condenados por boa parte da medicina genética, conforme exposição feita na Audiência Pública realizada pelo Supremo Tribunal Federal em razão da Ação de Inconstitucionalidade interposta contra a Lei de Biossegurança que passou a viger há pouco tempo. Conforme o Profº Moezio de Vasconcelos afirma, o cristianismo não se coaduna com a idéia de que a vida começa em outro momento que não o da concepção, ou seja, quando as células germinais do homem se juntam às da mulher, de modo que manipular tais vidas, ainda que conservadas em nitrogênio líquido, nada mais é do que uma afronta a própria vida, assistindo razão ao Vaticano. Para maiores informações acerca do assunto, indicamos o site católico www.universocatolico.com.br, onde é registrada boa argumentação contra as pesquisas com células-tronco embrionárias.

 

Acerca do aborto.

 

Já no que tange ao aborto, é preciso que se tenha em mente que o feto não é um prolongamento da mãe, muito menos um agente passivo da gestação, mas, sim, o agente ativo, com individualidade própria, com carga genética própria, tendo como diferença, tão somente, o ambiente em que vive, pois que o seu é intra-uterino. Mulher ou homem algum tem o direito de sentenciar sobre retirar a vida de alguém, somente o Criador desta vida pode assim proceder. Filhos há que, embora gerados dentro de uma relação de amor, tornam-se verdadeira maldição para a família; outros, porém, que frutos de um estupro podem vir a ser uma bênção para todos.

A fim de não perdemos os detalhes preciosos com que o assunto “aborto” foi abordado, transcrevemos ipsis literis argumentação, ainda que extensa, encontrada no site Centro Apologético Cristão de Pesquisas em interessante artigo intitulado “Aborto: Tragédia ou Direito”, de Júlio Severo :

Em vez de aliviar a angústia psicológica das vítimas de violência sexual, o aborto traz mais angústia. O Dr. Reardon, que é especialista em questões pós-aborto, diz: “A evidência mostra que o aborto aumenta os traumas e o risco de suicídio. Mas o ato de deixar a criança nascer reduz esses riscos”. Nos casos de incesto, as vítimas que engravidam são muitas vezes meninas novas e não estão devidamente conscientes de seu estado de gravidez. O Dr. Reardon diz que tal situação as deixa vulneráveis a profundos traumas psicológicos quando, anos mais tarde, elas percebem o que aconteceu.

A própria experiência do aborto, física e emocionalmente, pesa na mulher tanto quanto o trauma do estupro. O trauma maior é que, embora saiba que não teve culpa no estupro, ela sente-se responsável pelo aborto, até mesmo quando ela consente sob pressão. Algumas das conseqüências que um aborto deliberado traz:

Síndrome Pós-Aborto: Um estudo realizado pela Dra. Brenda Major, que é a favor do aborto, constatou que, em média, as mulheres relataram não ter recebido nenhum benefício de um aborto. Abuso de drogas e álcool: Mulheres que realizaram um aborto têm quase 3 vezes mais risco de usar drogas ou álcool do que mulheres que não abortaram. Mulheres que nunca usaram drogas ou álcool e abortaram seu primeiro bebê têm 5 vezes mais risco de começar a usar drogas ou álcool em comparação com mulheres que tiveram seus bebês. Vinte por cento relataram ter começado a usar drogas ou álcool um ano depois do aborto, e 67 por cento disseram ter começado num período de 3 anos.

Taxas de mortalidade: Um estudo feito na Finlândia revelou que as mulheres que fizeram aborto tiveram 252 por cento mais chance de morrer no mesmo ano em comparação com mulheres que tiveram seus bebês. Em comparação com mulheres que deram à luz, as chances de morrer dentro de um ano após um aborto foram 1.63 para morte de causas naturais, 4.24 para mortes de ferimentos relacionados a acidentes, 6.46 para mortes em conseqüência de suicídio e 13.97 para mortes em conseqüência de assassinato.

Vítimas de estupro e incesto: O Dr. Reardon revela que das 50 vítimas de estupro que expressaram seus sentimentos sobre o aborto que realizaram, 88 por cento declararam que foi uma escolha errada. Quarenta e três por cento das vítimas de estupro avaliadas relataram que fizeram aborto por pressão dos outros. Mais de 90 por cento disseram que desaconselhariam outras vítimas de violência sexual a realizar um aborto.

O Dr. Reardon menciona um estudo que mostra que as mulheres que fazem aborto têm uma probabilidade duas vezes maior de ter partos antes ou depois do tempo, levando assim a defeito de nascença.  Ele também comenta que filhos de mulheres que já fizeram aborto tendem a ter mais problemas de comportamento.

Câncer de mama: De acordo com o livro Breast Cancer (Câncer de mama), do Dr. Chris Kahlenborn, a mulher que realiza um aborto tem 2 vezes mais probabilidade de sofrer o câncer de mama. 

De que modo a vida traz cura

Kay Zibolsky é fundadora da Liga Vida Depois da Agressão e oferece aconselhamento por experiência. Quando tinha 16 anos, Kay foi estuprada numa noite fria e escura por um homem estranho que ela nem mesmo conseguiu ver. Ela guardou o segredo do estupro, mesmo quando percebeu que estava grávida. “Minha mãe me ajudou a atravessar o trauma do estupro, mesmo sem saber que era um estupro, aceitando minha gravidez e dando toda ajuda que ela podia”, diz Kay. “Eu poderia ter questionado se o ato violento e cruel do estupro desculpava o ato violento e cruel de destruir um bebê inocente. Escolhi pensar na parte do bebê que era minha parte”.

Ela deu à luz uma filha e lhe deu o nome de Robin. Hoje Kay tem Jesus na sua vida, é casada e tem outros filhos. Ela agora usa sua experiência para aconselhar milhares de mulheres vítimas de estupro e incesto, inclusive muitas que engravidaram. Ela conta: “Digo a elas que não é pecado ser estuprada. Estuprar é que é pecado.

Isso joga a culpa onde tem de ser jogada. Digo que pecado é matar a criança concebida num estupro ou incesto. Se fizer um aborto, você terá de mais cedo ou mais tarde de lidar com esse pecado.”

Kathleen DeZeeuw, que foi estuprada na adolescência, dá o seguinte depoimento: “Vivi uma experiência de estupro e criei um filho ‘concebido no estupro’. Por isso, sinto-me pessoalmente agredida e insultada toda vez que ouço dizerem que o aborto deve ser legal por causa do estupro e incesto.

Sinto que estamos sendo usadas para promover a questão do aborto… Hoje trabalho como conselheira e muitas vezes uma jovem me pergunta: ‘Mas você não entende! Como você poderia realmente compreender?’ Dou meu testemunho, de como Deus usou até mesmo uma situação de estupro e a transformou para a Sua glória”.

Hoje o filho de Kathleen é casado e se dedica ao chamado missionário. Ele diz: “Como alguém concebido num estupro, tenho um modo especial de ver a questão do aborto. Se o aborto fosse legal na época em que fui concebido, eu não estaria vivo. Jamais teria tido a chance de amar e de me dar aos outros. Tenho tido oportunidades maravilhosas de dar meu testemunho também. Toda vez que alguém diz: ‘Mas e nos casos de estupro?’ Tenho a resposta perfeita!”

Um dos testemunhos mais tocantes é o de Myra Wattinger. Ela e o marido haviam se divorciado havia pouco tempo e, como seus pais haviam falecido quando ela era adolescente, ela estava sem recursos e não tinha a quem recorrer. Então ela arranjou um emprego para cuidar de um homem idoso.

Certo dia, enquanto ela estava só na casa, um dos filhos alcoólatra do homem a estuprou. Nessa situação, ela se sentiu abandonada e chegou a pensar que Deus não a amava. Mas, para piorar tudo, ela descobriu que engravidara. Ela não tinha condições de sustentar uma criança e não estava disposta a cuidar de um bebê concebido num ato de tanta humilhação e violência. Ela procurou um médico disposto a fazer seu aborto, mas não encontrou.

A solução parecia ser uma só: suicídio. No exato momento em que essa idéia apareceu, surgiu em seu espírito a necessidade de orar. Ela olhou para o céu e clamou: “Senhor, estou carregando essa criança e não sei o que fazer”. Ela nunca teve certeza se a voz era audível ou não, porém sentiu Deus lhe dizendo: “Tenha o bebê. Ele trará alegria ao mundo”.

Essas duas frases dissiparam todos os pensamentos de suicídio e de aborto. Hoje, seu filho, James Robison, é um evangelista com um ministério que tem alcançado e abençoado milhões de pessoas. Sem dúvida, o que Deus disse a Jeremias também se aplica ao evangelista Robison: “Antes que eu te formasse no ventre, eu te conheci; e, antes que saísses da madre, te santifiquei e às nações te dei por profeta”. (Jeremias 1:5 RC)

 

A luta de Roma por esta causa é louvável, sem dúvida alguma, da mesma forma quando se preocupa com o liberalismo sexual, cuja refutação é desnecessária porquanto falam por si só os males que tem causado, tanto no que tange à proliferação de doenças quanto ao término de casamentos e o ensejo de concepções indesejadas, inclusive em garotas que mal saíram da infância. Em suma, morte e infelicidade tem causado o liberalismo sexual. É nocivo, imoral e pecaminoso.

 

A questão da aproximação com as demais religiões.

 

Outro aspecto que merece toda atenção é a questão do ecumenismo, vista por Bento XVI com muita cautela, ao contrário de seu antecessor. A imprensa, de um modo geral, em sua ignorância acerca da Palavra de Deus, insiste que o líder atual da IC deva continuar com a aproximação entre as religiões proposta por João Paulo II, “buscando o diálogo”. Deixando claro que não pregamos a intolerância, muito menos a religiosa, somos forçados, outrossim, a fazer a seguinte pergunta: qual a utilidade de tal aproximação? Ora, se fosse para evangelizar o mundo seria ótimo, a final de contas quando Jesus se aproximava do pecador ou do enfermo ele não se contaminava nem com a doença e nem com o pecado, mas pregava o arrependimento e anunciava algo novo no intuito de dizer que o reino dos céus havia chegado. Ou seja, Jesus nunca se reuniu com líderes de outros credos para simplesmente rirem um paro o outro, trocarem afagos e dizer que toda religião é válida. Na verdade, Jesus não perdia a oportunidade de evangelizar o pecador. Aliás, a sua afirmativa (muito conhecida) sobre a salvação é assaz categórica, não deixando margem a qualquer dúvida, ei-la: Eu sou o caminho, a verdade e a vida, e ninguém vai ao Pai senão por mim (Jo 14:16). Nesse sentido, ou se aceita a Jesus Cristo de Nazaré como Senhor e Salvador de sua vida, ou não há chance de salvação. O respeito e a tolerância entre as religiões devem ser mantidos, mais que isso, não passa de promiscuidade perigosa.

É difícil entender como poderíamos nos unir em oração numa situação em que num mesmo local várias pessoas estariam, ao mesmo tempo, invocando cada qual seu deus ou deuses quando nós sabemos que só há um Deus e que só há um plano de salvação. Tal idéia é, no mínimo, estapafúrdia e totalmente sem base bíblica. É um absurdo não só do ponto de vista teológico, como também, filosófico, porquanto acutila o princípio lógico da não contradição. Sobre questões envolvendo gosto, preferências, qualquer opção é válida, contudo, quando a questão envolve a realidade, não podemos ter opiniões antagônicas igualmente válidas, porquanto isto seria algo contraditório, ou seja, não se pode dizer que o universo foi criado e ao mesmo tempo ser verdadeiro que ele seja eterno, ou que existe apenas um Criador de tudo o que há e ser igualmente verdadeiro que existem vários criadores. Neste sentido, as religiões não podem estar todas corretas, uma vez que cada uma defende doutrinas diferentes acerca da realidade (salvacionismo e reencarnacionismo, por exemplo), de modo que somente uma Revelação poderá ser verdadeira (GEISLER E BOCCHINO:2003), e nós, enquanto cristãos, acreditamos que a Revelação de Deus está em sessenta e seis livros que compõem a Bíblia e não em 72 como defende a Igreja Católica.

O que a sociedade não percebeu é que a IC não está perdendo adeptos pelo fato de ser intransigente com o mundo. Ora, se o mundo jaz no maligno, é claro que não se deve transigir com este mundo cruel. Se, por ventura, o argumento de que a IC estaria perdendo adeptos pelo fato de ela está “antiquada” fosse verdadeiro, as igrejas cristãs reformadas (ou evangélicas) já não existiriam, haja vista serem mais conservadoras para com o que ensina a Bíblia do que a IC. Lembremos que da mesma forma que a IC não apóia a união homossexual, as igrejas cristãs reformadas também não apóiam. O mesmo acontecendo com o divórcio. Aquele que se casa de novo, após se divorciar sem ser por motivo de adultério ou abandono, segundo as Escrituras, comete adultério. Como então a IC poderia aprovar que o adúltero pudesse participar da eucaristia que, para esta igreja, é o momento mais importante da missa estando ele em pecado consciente e sem arrependimento, ou que esta mesma pessoa desempenhasse alguma função dentro da igreja?

Se, por acaso, negociar com o mundo fosse motivo de sucesso, com toda certeza as igrejas cristãs reformadas já teriam sucumbido, todavia, é justamente o contrário que ocorre. No Brasil os evangélicos já são mais de 30 (trinta) milhões, um número que não para de crescer. Sem dúvida, o católico deixa o catolicismo, a partir do momento em que observa situações freqüentes em determinadas igrejas, por exemplo, como as seguintes: a) a igreja que ele freqüenta admite fazer um casamento em que apenas um dos noivos é cristão; b) que após a cerimônia todos irão se refestelar com bebidas alcoólicas e danças sensuais, com músicas, muitas vezes, de duplo sentido; c) quando não fortalece o seu rebanho na doutrina cristã, não só pregando para ele, mas, também fazendo com que ele leia as Escrituras (“o meu povo foi destruído porque lhe faltou o conhecimento” Os. 4:6), não só para conhecer mais sobre o Deus a quem serve, como para defender a sua fé contra os demais ventos de doutrina. Quando todos esses fatores se conjugam, a pessoa não entende o compromisso que deve assumir com Deus, e conseqüentemente, a carne se fortalece em detrimento do espírito, e acaba se afastando da igreja, achando que seu compromisso para com Deus é simplesmente ser “bonzinho”: não roubar e não matar, não passar cheque sem fundo… o resto pode, inclusive desejar a mulher do próximo.

Pensam que existe diferença entre a mentira e a mentirinha, a cervejada e a cervejinha, a corrupção ativa e a passiva. Ademais, como não compreendem a mensagem do Antigo e do Novo Testamento, não têm condições de enxergar que o Cristianismo não se harmoniza com a reencarnação (Hebreus 9:27), com a adivinhação (Deuteronômio, 18: 9-12), a consulta aos mortos (Isaías 8:19; Levítico 20:6), a reverência e adoração a imagens de seres humanos (Ezequiel 16:17), a mediação de pessoas mortas (os chamados santos católicos) que segundo a Igreja Católica seriam mediadores entre Deus e o homem, o que se choca frontalmente com o que está escrito em 1Timóteo, 2: 5: “Porque há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus.

 

Sobre o ecumenismo com as demais denominações cristãs.

 

Quanto ao ecumenismo em relação à igreja ortodoxa e protestante, acredito que nunca irá prosperar, pelo menos no que concerne à protestante. Há um imenso abismo separando ambas as igrejas, e os motivos das diferenças já foram expostos há muitos séculos sem que tenha havido qualquer mudança nesse panorama, até mesmo porque qualquer aproximação promovida pelo Vaticano objetivará sempre colocar a Igreja Católica como líder da cristandade. No Concílio de Trento os reformadores foram chamados de hereges, hoje, são chamados de irmãos separados, ou seja, a idéia do Vaticano é que a igreja reformada precisa retornar, o que deixa claro que a sua intenção não é abdicar dos seus dogmas, mas impor a sua doutrina às demais denominações, uma vez que somente no catolicismo haveria uma sucessão apostólica desde Pedro até o atual Papa, identificando-a como a única igreja legada por Cristo, o que é um grande equívoco conforme o já exposto. Nos dizeres do Bispo de Taubaté, Dom Antonio Afonso de Miranda, S.D.N. (1995):

A nossa fé católica tem, assim, um ponto fundamental de apoio: a sucessão apostólica. Para validade do ministério humano-divino exercido dentro da Igreja instituída por Cristo, deve haver um elo histórico de sucessão aos apóstolos; onde se rompeu este elo, cessou o ministério, cessou o ministério legítimo e a ligação com o Senhor que salva. É o caso das nossas irmãs Igrejas ditas “cristãs”, porém não-católicas, porque não são apostólicas.

Por isso, cremos que a união à Igreja Católica, efetivada somente através da sucessão dos apóstolos, é garantia ordinária de remissão de pecados, de vida em graça e penhor de salvação.

 

É preciso que ninguém se engane: Cristo jamais foi católico, protestante ou ortodoxo. Cristo é o caminho, a verdade e a vida, e é por ele que se obtém salvação, e não por instituição alguma. De fato, há um abismo existente entre as igrejas reformadas e a católica, pois são muitos os pontos de divergência, tais como: intermediação e assunção de Maria, petições dirigidas a pessoas mortas (os chamados santos católicos), purgatório, distribuição de sacramentos, transubstanciação do pão e do vinho, veneração de imagens, penitências, etc., dogmas que são refratários à doutrina ensinada pelas igrejas reformadas e pelos apóstolos e pais da igreja.

Por tais razões, a letra “d” e “e”: O Primado Salvífico da Igreja Católica, temos que, pelo já exposto acerca do surgimento do movimento católico e da própria instituição do papado, torna-se desnecessária nova abordagem.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  1. CONCLUSÃO

 

Do ponto de vista literário, o artigo escrito pelo Profº Moézio de Vasconcelos é irretocável, haja vista a elegância na utilização do vernáculo, bem como a forma didática de abordagem do assunto, algo raro de se ver no atual jornalismo alagoano, não à toa é membro efetivo da Academia Penedense de Letras. Corroboramos, também, com o ponto de vista romano trazido pelo articulista em relação à proibição de pesquisas com células-tronco embrionárias, liberalismo sexual e proibição do aborto.

Todavia, fomos discordantes em algumas passagens. Nesse sentido, as ressalvas que defendemos se situaram em terreno histórico, o que, inevitavelmente, veio a resvalar em algumas questões de doutrina da Igreja Católica (embora a presente crítica não tenha um objetivo apologético), conforme o que foi defendido no decorrer desta crítica, como, por exemplo, a instituição do papado, cuja força decorre da crença em uma sucessão ininterrupta iniciada pelo apóstolo Pedro até o atual mandatário do Vaticano, o que discordamos veementemente pelos motivos sobejamente vergastados.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  1. FONTES CONSULTADAS:

 

  • Bíblia de Estudo Aplicação Pessoal. CPAD.São Paulo: 2005.
  • GEISLER, Norman e BOCCHINO, Peter. Fundamentos Inabaláveis: resposta aos maiores questionamentos contemporâneos da fé cristã – Editora Vida, São Paulo: 2003.
  • NICHOLS, Robert Hastings. História da Igreja Cristã. 12ª ed. Cultura Cristã: São Paulo: 2004.
  • TAVARES BETTENCOURT, Estevão. Crenças, religiões, igrejas & seitas: quem são. Revista “O Mensageiro de Santo Antônio”, coletâneas de artigos publicados no período de 1989 a 1995, 2ª edição, Santo André/SP: 1995.

 

  1. SITES CONSULTADOS:

 

MARTINEZ, Flávio e DA SILVA, Paulo Cristiano. Sucessão Papal;

SEVERO, Júlio. Aborto: Tragédia ou Direito.

  • universocatolico.com.br

 

Divagações Sobre Música e Poesia Brasileiras

Ouvi, certa vez, um amigo dizer que o Brasil era um País carente de poetas, pelo menos “poeta” no sentido purista, ou seja, aquele que produz e confecciona livros de poesia sem qualquer ligação com a música. Esse purismo, por ele entendido, deu vazão a uma tese que expressou sem qualquer ressalva: “a poesia migrou para a MPB”. Evidentemente que tal afirmativa, apesar de tão categórica, carece de ser representativa da realidade.

Poesia e música são artes cujos fundamentos são distintos e, portanto, uma sobrevive sem a participação da outra. Enquanto que a música se consubstancia na disposição coerente de sons e silêncio organizados ao longo do tempo, a poesia surge da palavra falada ou escrita, desde que revestida de arte e com o poder, portanto, de transcender o seu significado literal. Isso não quer dizer, entretanto, que ambas as artes não intercambiem entre si. De fato, a música ganha um interessante acessório quando faz uso da palavra, acrescentando a chamada “letra” ao corpo musical, da mesma forma que a poesia também se conforma à música quando se verifica nos versos a presença de ritmo (mesmo número de sílabas métricas que são tônicas nos mesmos números em cada verso) e de rima. Nesse sentido, para a poesia, a música vem como um acessório; já para a música, a letra é quem funciona como coadjuvante. Ora, o acessório não pode ser mais importante que o principal, é um princípio lógico, logo, atribuir uma migração da poesia brasileira para MPB, é uma atitude reducionista, porquanto faz da poesia um adorno musical.

Na verdade, o raciocínio deve ser feito de outra forma: se a MPB tem buscado se conjugar a boas letras, isso é fruto da prodigalidade de poetas que há neste Brasil. O problema da falta de consumo de livros de poesia está relacionado à lei do menor esforço, cuja eficácia se acentuou bastante com o surgimento diário de inovações tecnológicas. Ou seja, o entretenimento da sociedade do séc. XXI acompanha as facilidades que a tecnologia proporciona, tornando nossas mentes viciadas a experimentar a catarse sem qualquer participação do indivíduo no sentido de projetar suas próprias imagens e criar mundos a partir do seu próprio arcabouço psicológico. A televisão e o computador é quem criam este atalho atrofiante, trazendo imagens prontas, linguagem coloquial e, às vezes, vulgar. Por outro lado, os livros, que não se revelam senão pela decifração (entenda-se leitura), largam em extrema desvantagem, sendo preteridos e, portanto, esquecidos nas lojas especializadas. Na verdade, as prateleiras das livrarias sempre têm livros de poesia, cujos autores, em sua maioria, publicam (muito mais) para aplacar um anseio pessoal sem qualquer pretensão de retorno financeiro.

O problema instalado é que estamos na cultura do “fast food” e o livro não faz parte desta dinâmica. Assim, por esta lógica bisonha, ler, definitivamente, se tornou algo chato, cansativo, exigente de um trabalho mental a cada página e que só ao final de todas elas é que o leitor se deparará com o que o autor, finalmente, quis dizer. É como se o livro não nos conquistasse a cada página, a cada verso; ao contrário, encaram a última página como o único objetivo do livro e as páginas antecedentes como um obstáculo que não pode ser afastado. Infelizmente, se alguém não recitar ou cantar a poesia, parcos leitores a buscarão nos livros onde foram grafadas para que tenhamos, nós mesmos, a nossa própria leitura do texto. Em suma, o cidadão contemporâneo preferirá ouvir uma boa música de Chico Buarque, onde ele encontrará uma linguagem poética embutida numa melodia, do que ler um livro de poesia do Drummond ou de Ferreira Gullar.

Cresci ouvindo um dito que pregava ser a poesia uma pintura cega e, a pintura, uma poesia muda, contudo, os tempos atuais, ao que parece, conseguiram subverter a sacada de Miguel Gontijo, pois, diante do “anonimato” de tantos poetas estampados nas capas de seus livros (é um paradoxo mesmo!), a poesia, definitivamente, deixou a cegueira e passou à invisibilidade, cumprindo, assim, uma sentença irrefutável : quanto mais ignorante é um povo, mais invisíveis são os livros, e onde não há livros, somente resta a música que, por sua versatilidade, pode abrigar em seu bojo desde a arte mais nobre, até os eflúvios dos esgotos mais asquerosos.

A música, de fato, dentre as artes, é a que, talvez, mais rapidamente cause reações no ser humano, sem falar que é um veículo eficiente de memorização, todavia, nos tempos atuais de tanta alienação, tem sido utilizada tanto como repositório de poesia, como embalagem de grosserias que revelam o lado rasteiro por que se enveredam certos “gênios” freqüentadores de determinadas gravadoras e cujo estandarte enaltecem palavras como “rapariga”, “cabaré”, “birita”, “putaria”, dentre outras ainda piores que expressam promiscuidade e degenerescência. Da mesma forma que ouvimos um verso lapidar de Silvio Caldas em sua imortal “Chão de Estrelas” que canta: “A porta do barraco era sem trinco, mas a lua furando nosso zinco salpicava de estrelas nosso chão”, ouvimos fazer um estrondoso sucesso uma brutalidade cantada que rosna: “fazer valer, fazer valer, fazer valer na cama, tem que fazer gostoso pro gozo virar lama” (Aviões do Forró). É lamentável.

Essa degenerescência teve vazão em cantigas que, hoje, lembram um parque infantil dada a ingenuidade flagrante, embora, para a época, já fossem atentatórias ao pudor de uma pessoa média; dois belos exemplos dessas singelas cantigas, assim diziam: “A capital do Equador é Quito, nunca mudou… é sempre Quito” (Zenilton); o outro, cantado por Genival Lacerda, entoava: “Ela deu o rádio e não me disse nada… ela deu o rádio”. Todavia, como tudo que é ruim espreita uma fissura para que se aloje e cresça, hoje, passadas alguma décadas, o duplo sentido, que depois passou a ser bem mais agressivo na década de noventa, já não mais está em voga, pois como o próprio funk diz: “beijo na boca é coisa do passado, a onda agora é namorar pelado” (Furacao 2000), ou seja, não há mais pudor, não há mais duplo sentido, mas, sim, um só sentido, aquele que faz apologia da pornografia, da bebedice e de outras degradações a que pode se submeter o ser humano, seguindo o mote do funk acima referido. Nessa esteira, quando a música fala em “lapada na rachada” (Aviões do Forró, Saia Rodada, etc.) ou “Amor eu te quero, preciso desse teu prazer e quando você toca em mim, ah, ah, ah, eu fico toda molhada” (Calcinha Preta), é sinal de que a humanidade se degrada paulatinamente.

Por fim, diante de uma sociedade tão refratária à leitura, fico a pensar se a poesia, realmente, não é coisa de intelectual mesmo, pois para ser usada pelo mundo e pelo submundo dos homens, sendo, portanto, um “degenerômetro” social, somente a música possui tal polivalência, porquanto ela dirá quem está com a mão na cítara: se Euterpe, ou se Baco.

Triste fardo gongórico e inexorável carrega a música quando acrescida de uma letra: rutilar nas cores diáfanas da boa poesia “salpicada de estrelas” ou esmaecer-se em trevas de ignorância, de “lama e de nenhum gozo”. É, de fato, flertar com o nobre e com o reles, com a arte e com a miséria.

O Escudo do Sport Club Penedense

Todo clube de futebol tem um emblema que o identifica em meio aos demais, seja na camisa de jogo ou na estampa de seus respectivos pavilhões. É o que poderíamos chamar de logomarcas dos clubes esportivos. Nesse cenário, muitos, talvez a maioria, tem seus emblemas em forma de escudo medieval, daí porque a palavra emblema se confundir com escudo.  O nosso Sport Club Penedense, portanto, está inserido entre esses que adotaram seu emblema na forma acima mencionada. Nesse sentido, o nosso emblema se compõe de um tradicional escudo bicolor, com fundo vermelho e uma esfera central contendo as iniciais do clube, donde partem raios brancos. Simples, mas elegante e histórico.

Histórico! Mas é justamente aí onde está o “x” da questão. Há algo que me custa a entender em relação ao nosso alvirrubro do Cajueiro Grande. Se perguntarmos qual é o título que o Sport Club Penedense tem que nenhum outro time da nossa Federação Alagoana tem, a resposta é fácil: ser o clube, em atividade, mais antigo do Estado de Alagoas. Então, é-nos inevitável formular a seguinte indagação: por que o SPC não tem a sua data de fundação inscrita no seu tradicional e histórico escudo? Se fizermos uma pesquisa, o SPC está entre os clubes mais antigos do Brasil e, no entanto, a sua data de fundação não está estampada em seu uniforme de jogo! Observem a quantidade de clubes que fazem uso da data em seus respectivos emblemas: Tuna Luso 1903, Paulista 1909, Náutico 1901, Mixto 1934, Juventude 1913, Joinvile 1976, Internacional 1909, Goiás 1943, Grêmio 1903, Grêmio Barueri 1989, Guarani 1911, Goiânia 1938, Corinthians 1910, Ceará 1914, Bahia 1931, Atlético Paranaense 1924, entre outros. Percebam, inclusive, que há clubes importantíssimos que são mais jovens que o SPC.

Mas, o fato é que a maioria dos cidadãos alagoanos ignora essa realidade. Em parte, por nossa própria culpa, diante de tal omissão. Mesmo aqueles que acompanham o futebol, muitos desconhecem que o nosso SPC é o mais antigo, tanto assim que já fiz, algumas vezes, essa pergunta aqui em Maceió e ninguém soube a resposta. Uns diziam que era o CRB, outros que era o Ferroviário, CSE, enfim. Como se vê, já está mais do que na hora de mudarmos tal situação.

Lembro que há uns dez anos ou mais, tentaram colocar em prática essa ideia, contudo, procederam de forma equivocada inserindo a data fora do escudo, deixando o 1909 sem proteção e flutuando na camisa. Algo sem sentido. Tal mudança não durou mais do que uma temporada, se bem me lembro. Assim sendo, como sugestão, que tal colocar a data na parte inferior central de fundo vermelho entre os dois raios brancos inferiores, deixando o escudo mais rico e, portanto, mais informativo tornando notória a sua historicidade?

Não seria essa uma boa ideia?

Avante, SPC!

O Universo numa Casca de Noz

É natural que aqui e acolá venhamos a cometer algum deslize no manejo do nosso idioma tanto no que concerne à linguagem escrita quanto à falada, de modo que o tropeço pode acontecer em relação à concordância, à pronúncia, à ortografia, à conjugação, enfim, ninguém está livre de ser traído quanto às normas cultas do nosso idioma. Portanto, feita esta constatação a fim de não sugerir um perfeccionismo ou indefectibilidade de minha parte, já que (sem falsa modéstia) estou muito longe disso, fico à vontade para tecer algumas linhas acerca da forma como o nosso vernáculo vem sendo empregado por esse Brasil, de Norte a Sul. São erros que causam perplexidade a qualquer pessoa média, não tanto pelo erro em si, mas pelo nível de escolaridade de quem está errando.

Por incrível que possa parecer, apresentadores de telejornais vêm cometendo várias gafes. Outro dia, um repórter da Rede Bandeirantes afirmou que sobre determinado delito não havia sido feito o “fragrante”. Ainda na TV, virou moda empregar o tempo presente para fatos futuros como é o caso da chamada para os comerciais: “aguardem, voltamos já”, ao invés de dizer “voltaremos”. “Como você chama?” Essa é a forma com que boa parte de apresentadores de televisão indaga acerca do nome de uma pessoa. Ora, se eu for responder à pergunta acima, a minha resposta teria de ser: venha cá, por favor, pois é assim que eu chamo alguém. Caso pergunte: como você se chama? Aí, sim, direi: João.

Nos mais variados programas, sejam telejornais ou documentários, é comum ouvir a criação de hiatos onde há ditongos, do tipo: “gra-tu-í-to ou cir-cu-í-to”, quando se deveria dizer gratuito e circuito, da mesma forma que se pronuncia a palavra muito. E o que dizer da tosca transformação da paroxítona rubrica em proparoxítona: “rúbrica”?

Regras comezinhas sobre o dígrafo são olvidadas. Não raro se ouve alguém querer pronunciar a letra “s” em palavras como nascer. Aliás, já vi professor universitário falar dessa forma. No afã de deixar claro que o ésse está sendo pronunciado escancara a boca para dizer “se eu “naiscesse” (com som de i) daqui há um ano…” Ora, em tenra idade aprendemos que o dígrafo é o encontro de duas consoantes que representam um só fonema, portanto o ésse  não deve ser pronunciado, mas apenas a letra “c”. Na padaria em que sou freguês aqui em Maceió, tenho flagrado pessoas muito bem trajadas fazerem o seu pedido da seguinte forma: “Eu quero cinco pães franceses” ou “Quero três pães sedas”. Ignora o cidadão que o tipo do pão não vai para o plural. O certo seria: Eu quero cinco pães tipo francês. Outra que também ouço em padarias: “Eu quero quinhentas gramas…”, quando deveria dizer quinhentos gramas, já que grama no feminino é uma espécie de vegetação.

A cantora Maria Bethânia, em determinada canção, ao invés de pronunciar a palavra de forma simples como ela o é, cria um enfeite que ninguém sabe de onde veio. A palavra correta é inacessível, entretanto ela consegue complicar a sua pronúncia da seguinte maneira: “inakcessível”, é como o matuto que prefere chamar de jambre a fruta jambo. E quanto à palavra tóxico? Não só nas ruas, mas também na TV essa palavra tem sido pronunciada assim: “tóchico”. Será que quando essa pessoa vai pronunciar a palavra toxina ela diz “tochina”? Da mesma forma a palavra questão. Ora, quantas pessoas da mídia falam “kuestão”?

Existem outros vícios que não são erros de gramática, mas de lógica. Dificilmente alguém percebe que quando falamos sobre um tempo passado o verbo haver só precisa da quantidade de tempo e nada mais, de modo que o tal “há cinco anos atrás” não passa de um exagero do óbvio. Pôxa, se o fato ocorreu há cinco anos ele não pode ter sido à frente, portanto esse “atrás” é totalmente desnecessário.

Aqui em Alagoas está-se criando uma moda de se usar um tempo verbal por outro. Exemplo disso é o uso do pretérito imperfeito do subjuntivo como pretérito perfeito: “Tu fosse?”, na intenção de dizer: Você foi? Ou tu foste? Ora, sabemos que essa terminação em sse é característico de um tempo condicional que é o pretérito imperfeito do subjuntivo, donde a palavra “se” é sempre usada expressando uma ação que poderia ter sido realizada mas não o foi: se eu fosse amanhã, conseguiria uma carona. Outro erro flagrante de conjugação vem ocorrendo no agreste do nosso Estado: “Tu sois feio, hein?” Conjuga-se na segunda pessoa do plural quando deveria ser na segunda do singular. Nada mais bizarro.

Diariamente tenho ouvido pessoas dizendo coisas do tipo: “Lustrou tanto que chega brilha!”. O certo: Lustrou tanto que chegou a brilhar. Tem-se usado a palavra desapercebido como sinônimo de despercebido, quando elas têm significados bem diferentes: desapercebido é sinônimo de desarmado, enquanto que despercebido é sinônimo de não percebido, não observado. E para finalizar, eu não poderia deixar de citar o velho e terrível “menas”. Talvez nada cause mais estragos aos nossos tímpanos do que essa variação de gênero em relação a esse advérbio, o que acutila uma regra aprendida ainda no primário que assim diz: “advérbio é a palavra invariável que indica as circunstâncias em que ocorre a ação verbal.” Desse modo, não se deve dizer “menas vezes”, mas sim menos vezes. Contudo, é preciso não confundir esse advérbio de intensidade com o adjetivo ameno ou amena, cujo significado é agradável, suave. O mesmo fenômeno ocorre com outro adverbio, a palavra meio: “Estou meia aflita”. Terrível, não?

Certa vez ouvi dizer que o limite de nosso universo é o limite de nossa linguagem. Confesso que tal assertiva tem me deixado preocupado, pois a cada dia parece que o nível cultural do nosso Brasil tem diminuído. O idioma cada vez mais maltratado vem sendo o termômetro da linguagem dos brasileiros. Desse modo, por dedução lógica, acredito que (pegando carona no título do livro de Stephen Hawking) o universo de muita gente está cabendo, literalmente, numa casca de noz, uma vez que os erros aqui esposados são frutos, na maioria das vezes, da ausência do hábito de leitura. Enquanto as últimas potências surgidas foram consequência de um contundente investimento em educação, o Brasil continua com as escolas e universidades públicas sucateadas e os péssimos salários da docência são um desconvite ao magistério. Os limites do universo brasileiro estão bem à vista de tão curtos que são. Daqui mesmo de minha varanda eu os vejo e, infelizmente, depois deles apenas contemplo um imenso abismo… É uma pena.

Os Olhos do Poeta

Quem nasce e cresce a correr pelas tortas e enrugadas ruas desta cidade do Penedo, inexoravelmente cria, com este lugar, uma dependência afetiva extremamente salutar. Eu – que nasci em plena Av. Getúlio Vargas, em nossa histórica Maternidade da Santa Casa – tenho certeza que, no exato instante em que o cordão umbilical me foi ceifado da placenta, um outro cordão de matéria incognoscível surgiu no lugar, com o diferencial de não mais me jungir a uma placenta já descartável e perecível, mas, a uma outra: imortal forjada na rocha deste torrão e na prata líquida que insiste em viajar milhares de quilômetros, desde as Minas Gerais, tão somente para acariciar a fronte da Velha Penedo, antes do mergulho inevitável nas águas do Atlântico Sul. João Cabral de Melo Neto disse que (…) “a cidade é passada pelo rio como uma rua”, mas, aqui, a cidade é passada pelo rio como uma avenida sem fim, e que, apesar da correnteza ser um vetor apontado para o oeste, o leito do rio é de mão dupla, acalentando o sonho tanto de quem acompanha o sentido de sua corrente, como de quem escala suas águas na procura diuturna do pescado.

Assim sendo, levando-se em conta que ultimamente ando ufanista demais, talvez impelido pelo aniversário da nossa Academia Penedense de Letras, da qual tenho orgulho de ser membro, eis aí uma crônica poética sobre a cidade do Penedo. Intitulei-a “Os Olhos do Poeta”, extraída do livro Das flores e do tempo que, em breve, será publicado. Espero que gostem. Ei-la:

 

Os Olhos do Poeta

Penedo estava envolta por uma bruma densa. Não era noite e nem era dia, mas, um interlúdio entre a treva e o alvorecer. Os vestígios da noite já estavam de partida e uma mescla púrpura se apresentava no oriente. As luminárias, atalaias sonolentas das ruas, afônicas e nostálgicas eram os olhos de uma urbe que já não dormia e nem acordava. As ruas, tortas e entrecortadas por pedras rústicas, num ermo absoluto, pareciam fumegantes na garganta de um vulcão, sinuosas e enrugadas como um ofídio preguiçoso.

Aquela bruma, na verdade, era a fumaça que antecede o sortilégio da magia, pois, quando o sol, com seu condão resplandecente, mas ainda tênue, debruçou-se sobre a cidade, eis que surgiu uma anciã, com os olhos brilhantes e o espírito de criança, cuja estrutura robusta e imortal se espraiava no penedio, com sua gênese forjada na contundência das rochas e na fluídica prata da Canastra que pulsava ao sabor da correnteza. As águas roçavam carinhosamente o limo do cais num compasso harmonizado com o sino da Matriz.

Nessas águas, minha infância, feliz, vive imersa, e este sonho foi um mergulho a esta tenra idade, onde o rio ainda era um turbilhão de mistérios e de quimeras, de paisagens que surgem e se evanescem, de canoas que, através da ingenuidade dos olhos, transformam-se em borboletas, bailando sobre a lâmina líquida do rio, e embalando (com suas velas ou suas asas), a ânsia diuturna do pescador que acalenta.

Neste sonho pueril em que a realidade me foi arrefecida, as enchentes do São Francisco que tantas casas afogaram, nada mais eram do que o amor incontido do Velho Chico que, ao transbordar, enlaçava a Velha Cidade num abraço carinhoso de dois eternos namorados.

Talvez, os olhos do poeta, mesmo que envelhecidos e despidos das fantasias de outrora, sejam – quase – como os olhos duma criança, pois que lidam não com uma realidade mitigada, mas, criam um mundo por metáforas arrefecido.

Transformaram o Louvor em Gênero Musical

Não é difícil perceber que há algo de errado no mundo cristão no que concerne ao louvor. Acesse qualquer vídeo de qualquer show gospel e analise o comportamento da plateia. Assim que o artista ou conjunto entra no palco, percebe-se um comportamento idêntico ao dos fãs num show mundano. A idolatria desenfreada e sem qualquer pudor cristão toma conta do ambiente e, o pior, o artista recebe toda aquela adoração. São gritos histéricos, pessoas querendo subir no palco, tocar no cantor ou instrumentista, enfim, uma cena deplorável que entristece qualquer cristão sério. Ainda que nesses shows aconteçam conversões, não podemos tolerar o ditado mundano que diz: “os fins justificam os meios”, uma vez que o Evangelho não demanda de meios escusos ou pecaminosos para alcançar vidas e nem com esses meios tem comunhão. Mas tudo isso teve origem numa artimanha do inimigo de nossas almas que, não conseguindo evitar o louvor, teve a ideia de distorcê-lo.

O louvor é uma oração cantada. Essa é a única semelhança que há com a música, por isso, louvor não pode ser confundido com um gênero musical do tipo rock, bolero, axé, forró, valsa, enfim. Quando você, numa atitude reducionista, transforma o louvor em gênero musical, você rebaixa o ato de adoração e dá margem para que o louvor seja tratado pela indústria fonográfica do mesmo modo que o pagode, o samba e os demais, ou seja, cria-se uma cadeia comercial em seu entorno, fazendo do levita um cantor, um artista. Desse modo, o levita que antes era chamado para louvar em congressos, encontros, cultos em igrejas, ocasiões em que se recolhia uma oferta para esse irmão (quando vivia desse ministério) – agora que virou artista – só louva mediante uma paga. E se esse irmão fizer sucesso, com muitas vendas de disco, o seu cachê se torna astronômico. Até grammy tem cantor que já ganhou e a categoria se chama “gospel music”. Mas é esse o objetivo do levita, ganhar grammy? Tornar-se rico? Claro que não. Isso só aconteceu porque transformaram o louvor em gênero musical. Eis o grande erro, uma vez que o louvor não pode ser vendido, pois a venda do sagrado tem nome e todos nós sabemos qual é: simonia.

Outra consequência da transformação do louvor em gênero musical foi a importação de ritmos tipicamente mundanos no intuito de serem usados como veículo para uma letra cristã. Nesse sentido, temos aberrações como a suingueira cristã, funk cristão, boate cristã, pauleira cristã. Tudo isso sob o argumento de que são estratégias para alcançar as mais variadas pessoas. Mas isso não passa de conversa fiada. O evangelho alcança qualquer um, e não precisa de ritmos mundanos para isso. Só falta, agora, sob a desculpa de se querer evangelizar os praticantes do candomblé, introduzir os tambores do terreiro com letras cristãs. Será o fim da picada. Infelizmente já estamos precisando de outro Lutero, só que desta vez, saído de dentro da própria igreja pentecostal.

Preconceito em Relação aos Nordestinos no Idiotizante Programa do Gugo

Parece clichê o que eu vou dizer, mas, não é. Realmente eu estava numa dessas desesperadas buscas dedilhando canais no controle remoto tentando aplacar minha vontade de encontrar algo interessante para assistir. Parece incrível que com tantos canais a nossa disposição nessas TV’s por assinatura seja possível nada encontrar de bom para se ver. E nesse frenesi de brincar com o satélite, deparei-me com o terrível “Programa do Gugu”: um misto de idiotice, pseudo-utilidade e entretenimento de baixa qualidade, TNT puro, pois tais ingredientes formam uma bomba de alienação e má influência, seja direcionando o telespectador para o consumismo, ou insuflando-o a erotização ou, ainda, levando-o a formação de opiniões distorcidas, como é o caso desse dia em que vi o título da reportagem em que o Gugu (parece mais que estamos falando de um bebê!) entrevistava um artista plástico pernambucano chamado Romero Brito, conhecido por suas telas bastante coloridas com o uso de figuras geométricas irregulares. O título da reportagem, portanto, foi: um nordestino de 100 milhões de reais. Não sei se o leitor já captou a carga de preconceito que há nesta frase lamentável.

Ora, preconceito é a formação de um juízo de valor sobre algo ou alguém desprovido de maior averiguação, conformado apenas com as suas suposições ou conhecimentos superficiais, generalizando-se tal juízo para todas as ocorrências semelhantes. É dessa forma que os sudestinos e sulistas agem em relação aos brasileiros localizados na região nordeste do País. Para boa parte de sudestinos e sulistas, os Estados que compõem o nordeste não passam de escombros amontoados sobre a fome, a sede, a truculência, a pobreza e a desinformação. Essa ideia errônea é fruto da forma como a mídia tem mostrado a nossa região, aliado ao fato da ignorância sudestina e sulista a nosso respeito, o que torna evidente a péssima educação que se oferece nas regiões mais produtivas. Chão rachado e crime de mando; pobreza e analfabetismo são sintomas generalizados no Brasil. Não se trata de algo exclusivo de uma região. Da mesma forma muitos gringos acham que o Brasil é uma selva cheia de índios e isso nada mais é que ignorância acerca de nossa geopolítica. A educação brasileira é muito ruim; a saúde é muito ruim, a segurança é muito ruim; a distribuição de renda é muito injusta, enfim, não dá para criar outro país dentro do Brasil, tão uno em suas mazelas.

Entretanto, a mídia sudestina, a fim de ganhar audiência, embora ciente da realidade brasileira, reflete o preconceito de sua região ao criar um título de reportagem como esse acima transcrito. Tanto assim que se se colocasse o seguinte título: um brasileiro de 100 milhões de reais, tal manchete em nada chamaria a atenção dos telespectadores, pois brasileiros com tais fortunas não são tão raros assim. Da mesma forma se se colocasse um carioca ou um paulista, ou gaúcho, ou mineiro, ou capixaba, ou paranaense. Todavia, em sendo um nordestino, aí sim, passa a ser algo digno de se atentar, pois se aqui só existe miseráveis e idiotas, alguém que apareça com tal valor artístico e fortuna, ele deve ser alvo de uma cumprida reportagem. Quanta falta de ética.

O Programa do Gugu, invés de mitigar tais distorções, alimenta-as. E foi em são Paulo mesmo que tivemos, há poucas semanas, exemplo de preconceito e descriminação. A própria mídia divulgou uma manifestação de uma garota paulista em arroubos na internet contra os nordestinos, culpando-os pela vitória de Dilma Roussef na corrida presidencial. Uma pobre menina, sem educação e sem conteúdo… mais uma vítima do sudeste. Contudo, o pior é saber que há outros focos de preconceito ainda piores. Em pleno século XXI, existem comunidades de ignorantes no sul do país que se isolam dentro de um arremedo de cultura germânica, longe da Alemanha e longe do Brasil. Como se pudessem ser autossuficientes, orgulham-se de terem sobrenomes como Scherer, Shindler, Shmidt, Hoffman, e de falarem o alemão. Vestem-se em festas populares como se estivessem na Europa e não percebem o complexo de inferioridade que carregam. Não passam de brasileiros implorando para não serem assim reconhecidos, o que é uma pena, pois deixam de ser identificados com a nossa cultura e são ignorados pelos alemães que os têm por brasileiros. Ficam, assim, numa zona cinzenta de indiferença e isolacionismo, prato cheio para tolices e bizarrices. Mas, como são ignorantes, perdoe-mo-los e continuemos a esquecê-los lá em seu mundinho fechado, de imitação infantil permeada por suspensórios, botas, sanfonas e vestidos do século XIX: cá pra nós, um cenário comovente. Tudo isso, não se enganem, é fruto da falta de boa escola e de leitura libertadora, prova de que a Alemanha que eles cultivam nessas equivocadas comunidades é de péssima qualidade.

E o nosso sotaque? Este é sempre objeto de galhofa, como se se pudesse estipular que há um sotaque correto. Ora, sotaque não fere a gramática, logo, não passa por essa avaliação. Mesmo assim, os personagens nordestinos utilizados nos meios televisivos são sempre caricaturizados, bobos ou truculentos (jagunços ou coronéis). Quando algum personagem vem a ser esperto, só o é dentro do seu próprio universo, como foi o caso de João Grilo em “O Alto da Compadecida” exibido pela TV Globo. Enfim, parece que os sudestinos e sulistas se divertem com uma inferioridade que imaginam existir nos nordestinos. Talvez precisem disso para se sentirem melhor… quem sabe?

Muitos são tão alienados que interpretam como erro a forma com que alguns nordestinos palatalizam algumas pronúncias a exemplo de: oito (oitcho), estado (estchado) e ainda (aindja), sem perceberem que palatalizam da mesmíssima forma quando fazem uso das consoantes t e d, tais como em tio (tchio), e dia (djia), por exemplo. Na verdade isso só revela outra constatação, pois segundo o linguista Marcos Bagno, o problema não está na pronúncia articulada, mas em quem está falando e, quem está falando, é um nordestino, “atrasado” e, como já se chegou a se falar, um exemplar de uma“sub-raça”; ou seja, o auge da estupidez. Tanto assim, que a pronúncia do r (erre) retroflexo falado no interior de alguns estados sudestinos em palavras como porta (poirta) não são considerados errados, afinal de contas, embora sejam caipiras, são caipiras de São Paulo e não de Pariconha ou Girau do Ponciano.

Pois é caro leitor; o Sul e o Sudeste, no contexto de nossa reflexão, são como o esquisito Gugu Liberato: rico, mas, ignorante. Ainda bem que na citada reportagem ele não cantou a bizarra meu pintchinho amarelinho, talvez eu tivesse perdido a oportunidade de escrever esse texto, pois certamente não teria interrompido minha brincadeira com o satélite.

Um Aluno, Candidato a Vereador, em Sala de Aula, Disse que o Certo é Roubar

Os etruscos foram um dos povos que concorreram para a formação dos notáveis romanos e, como todos os demais povos da Antiguidade, também tinham suas crenças. Em determinada data do ano, cada pai de família conduzia sua mulher para um templo onde lá as aguardavam vários homens com os quais manteriam relações sexuais durante três dias em honra à divindade em que criam. Após os três dias, cada um ia buscar sua mulher e, ao final da tarde, com ela desfilava (muito feliz e satisfeito) pela cidade com um chapéu que ostentava dois chifres. Tal desfile era sinônimo de que o varão havia cumprido para com suas obrigações religiosas.

Tal fato é, aos nossos olhos, atentatório da moralidade, diríamos mesmo se constituir num absurdo, num aviltamento da família, e isso independentemente de o sujeito ser adepto de algum credo religioso. Certamente, a opinião média da sociedade seria essa, uma vez que os nossos valores não toleram a oferta da própria mulher como pasto sexual de outrem. Tanto assim que nas Ordenações Afonsinas (compêndio legal que vigorou no Brasil-Colônia) o adultério (praticado pela mulher) consentido pelo marido era punido, e o sujeito que com isto consentia era obrigado a usar, todas as vezes que saía de casa, um chapéu com vários sinetes anunciando que o “corno” estava passando.  Mas, o fato é que cada povo tem valores que variam muito, a depender do espaço e do tempo que se toma por referência e, como nos mostra a realidade, a escala de diferenças é mais extensa do que podemos imaginar.

Todavia, enquanto o leitor está sentindo um estranhamento com o caso acima narrado, outras pessoas de outra parte do planeta poderão estar boquiabertas ao mirar suas atenções nos valores cultivados pelo povo brasileiro e, mais ainda, por uma estranha parte do território nacional chamada Alagoas e, nesse caso, posso garantir, serão eles quem irão sentir um profundo estranhamento em relação a nós, já que para eles o que ocorre aqui é algo aberrante, tamanha a sua imoralidade. Nesse sentido, estou tentando imaginar um norueguês, ou um japonês, ou um francês ouvindo um documentário sobre nosso povo e, fique certo, leitor, que mesmo sendo apenas em minha imaginação, enrubesço de vergonha com as constatações que irão fazer.

Não vou tecer comentários acerca da truculência, da violência e da falta de educação que assola Alagoas, vou apenas mencionar o comportamento do alagoano quando tem a oportunidade de ocupar um cargo eletivo ou comissionado (e não importa se é pai ou mãe de família, solteiro ou viúvo). Digo isso porque em qualquer lugar civilizado tais pessoas terão vergonha de explicitar um crescimento patrimonial vertiginoso logo após a assunção do mandato ou gestão, isso porque a sua moral ficará abalada quando a sua imagem for associada à delinqüência, à ilicitude, já que o tal “mínimo de corrupção aceitável” só é considerado algo normal num lugar degenerado que apregoa: “roube, mas faça”, como ocorre no Brasil e, com muita intensidade, na bizarra Alagoas. Aqui, assim que o representante de alguma família assume um cargo político, a sua imaginação começa a fluir de forma egoísta e criminosa, pois entende que por seus esforços conseguiu uma oportunidade de fazer crescer seu patrimônio dentro de um determinado prazo e desde que não consiga ser pego num deslize legal. Ou seja, ainda que todas as pessoas saibam que ele está roubando, isso não tem a menor importância, pois o que importa é que não possa “ser pego”. O “não ser pego” é algo que massageia o ego do alagoano; é como se ele dissesse: “olha aí, conseguir as credenciais para roubar dentro das regras e tive competência para não cair em terreno minado. Olhem meus carros, minha casa nova, minha fazenda, minha empresa… vocês sabem que foi tudo fruto da oportunidade que conquistei. Mas não há nada contra mim: venci!”

Todos sabem que ele furtou e ele faz questão que todos saibam para que a sociedade entenda que ele não foi tolo e, no entanto, nada acontece, por quê? Porque o jovem, o adulto e o ancião alagoanos, de um modo geral, toleram a corrupção e gostariam de está no lugar do corrupto. As regras que não podem ser infringidas são: não ser flagrado em ligação telefônica ou filmado em situações de “trabalho” para que a imprensa não jogue os poderes constituídos contra você. Desde que você tome esse cuidado, é “lícito” roubar em nosso Estado. Vivenciei duas situações que deixam claro o que é o alagoano. A primeira foi quando um determinado senhor, homem pagador de impostos, educado, comedido e respeitador, ficou transtornado quando lhe contei que há um programa de televisão em Maceió em que a apresentadora denuncia nomes influentes da política alagoana chamando-os por ladrões, canalhas e desmoralizados, sem esconder o nome de ninguém. Esse senhor, de forma estupefaciente, imediatamente censurou a corajosa mulher e disse que ela merecia morrer, pois se ele estivesse no lugar desses políticos, faria o mesmo. E disse isso de forma indignada, o que me deixou sem palavras, atônito e com um olhar reticente. Já a segunda situação ocorreu em sala de aula. Não sei porque cargas d’água alguém suscitou uma questão ligada a política e eu tentei mostrar aos alunos que o problema dos índices alarmantes de corrupção não está na classe política, mas na sociedade que abastece os cargos públicos. Fiz o seguinte questionamento: por que é que entra político e sai político e a situação é a mesma? Será que o sujeito muda ao ocupar o cargo? Claro que não. Ele simplesmente revela a sua índole. Em outras palavras, o problema é que a fonte que abastece os cargos eletivos é podre, e qual é a fonte? As famílias alagoanas. Os alunos ficaram reticentes e eu propus fazer um teste com eles. Fiz-lhes a seguinte indagação: “quem, de vocês, gostaria de fazer um excelente mandato por sua cidade e, ao mesmo tempo, fazer, também, o seu pezinho de meia?” Todos levantaram o braço, confirmando o que eu lhes havia dito: somos imorais, desonestos, e isso se transformou em charme, em status, uma interessante distinção, desde que você esteja ocupando um cargo público, não à toa ouvimos alguém dizer: fulano hoje tá rico, afinal ele é prefeito. (A essa altura os etruscos já me parecem “café pequeno”)

Para completar o episódio, um determinado aluno que era candidato a vereador, com bastante convicção, bradou do fundo da sala: “professor, tem que roubar mesmo!!!”. De repente, diante dos olhos dos meus alunos eu me transformei num ingênuo romântico ou num hipócrita que também só estaria esperando uma oportunidade para revelar uma personalidade igual à deles.

Antigamente, como falei acima, a lei punia o “corno consentido” com o uso de um chapéu nada discreto ao sair de casa; nesse sentido, fico a imaginar se a lei atual punisse o furtado consentido, nossas ruas seriam uma abjeta passarela de idiotas ou cínicos a badalar, em seus chapéus, os sinetes da degenerescência numa ignominiosa confusão de sons.

Quando o “Juridiquês” se Torna Brega

É fato incontroverso que cada ramo do conhecimento tem uma linguagem peculiar permeada com expressões ou palavras técnicas cuja função é imprimir maior precisão acerca do que se quer falar. Trata-se do chamado rigor científico. É o que se pode chamar de linguagem paraloquial, diferente, pois, da linguagem coloquial.

No Direito não é diferente. A palavra “jurígeno”, por exemplo, dificilmente será utilizada por outro ramo do conhecimento, ou mesmo a expressão “embargos de declaração”. Existem muitas palavras, inclusive, que em linguagem coloquial tem um determinado sentido, já na paraloquial, ganha sentido diverso, como é o caso das palavras “execução”, “competência”, “concentração”, “exceção”, de modo que somente o técnico saberá qual é o seu significado naquele contexto.

Ainda nessa linha de raciocínio, o Direito latino-americano, cuja base vem, primordialmente, do Direito Romano, com considerável influência do Direito Canônico, ainda é impregnado de latinismos, tanto por uma questão de tradição como pela consolidação de algumas expressões que se tornaram técnicas para designar determinado instituto, como é o caso de habeas corpus e habeas data, por exemplo. Nada obstante tais usos, o que se vem verificando é a adoção indiscriminada de latinismos desnecessários e até inventados, subvertendo as normas desse idioma que, embora morto, ainda tem seu regramento, bem como o uso de expressões de muito mau gosto, para não dizer, com o perdão da palavra, “cafona”.
Não raro, flagra-se peças processuais com uso de aumentativos que não existem, tais como “datíssima maxima venia”, ou diminutivos como “de cujinhos”, verdadeiros horrores literários, ou mesmo o emprego de expressões desnecessárias cuja tradução é bem mais esclarecedora, tais como fumus boni juris (fumaça do bom direito) ou periculum in mora (perigo da demora), actio exhibendum (ação de exibição), actio in ren verso (ação de repetição de indébito), dentre tantas outras. Isso, na verdade, é uma tentativa de demonstrar traquejo no trato forense, uma mistura de falso pedantismo com ingenuidade. Falso pedantismo porque embora esta característica seja desagradável, o pedante sabe o que está falando, só que com certo cabotinismo, o que não é o caso da maioria esmagadora dos operadores do Direito, pois que é ignorante (essa maioria) acerca do latim. E ingênuo na medida em que acredita que seu texto será mais persuasivo usando expressões que foram pescadas na vala comum do juridiquês vulgar, verdadeira demonstração de falta de personalidade.

Essa falta de crítica acaba levando ao chamado “efeito boiada”, pois certa feita alguém decidiu fazer o vocativo do magistrado na petição inicial usando o “Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz” e ninguém percebeu a bobagem que se estava a cometer, se é sabido que doutor não é pronome de tratamento. Ou até percebeu, mas, na tentativa de bajular o magistrado, prefere esse reverencialismo infantil à sobriedade que o advogado precisa externar. O peticionário faz questão de lembrar ao magistrado que ele faz parte da comunidade jurídica e, portanto, também é doutor, além de um Excelentíssimo Senhor Juiz (pois embora doutor seja título acadêmico, é tolerada a sua utilização entre os operadores do Direito e da Medicina). De fato, é lamentável. Nem o monarca (Vossa Majestade), entre os déspotas esclarecidos, por mais absolutista que tenha sido teve tantos “mimos” quanto tem, hoje, o magistrado, justamente este que, ao contrário do déspota, está “adstrito ao cárcere da lei”, conforme logo cedo aprendemos na faculdade. Dessa forma, invés do uso de tal pompa, não seria mais elegante um simples “Senhor Juiz de Direito”? Continuaria a ser respeitoso e estaria em consonância com o Manual de Redação da Presidência da República que é uma boa fonte de inspiração.

Não bastassem tais vícios, ainda há um largo uso de expressões esdrúxulas que, caso façamos um paralelo, invoca a figura do caipira rico que chega na cidade grande e, não sabendo como se vestir, acaba indo de smoking para o mercado fazer feira. Nesse sentido, eis algumas das expressões que constantemente estão presentes nas petições: “nesse diapasão” (para dizer “nesse sentido ou nessa linha de raciocínio”); “peça pórtico”, “peça madrugadora”, “peça dilucular”, “peça prodrômica”, “peça ovo”, “peça de arranque” (para se referirem à petição inicial); “clareza solar”, “clareza hialina”, “clareza meridiana” (para dizer que o direito em questão é bastante claro); “termos em que pede e espera deferimento” (como se quem pedisse não esperasse o deferimento); “fulano já descansa no campo dos mortos” (para dizer que fulano já é falecido); “representante do Ministério Público” (ora, quem se manifesta nos autos é o MP e não o seu representante); “é o que se relata em apertada síntese” (isso é que é aperto!); “ergástulo público” (para dizer cadeia pública); “cártula chéquica” (para se referir a uma folha de cheque), “alvazir de piso” (juiz de primeira instância), “autarquia ancilar” (pasmem, trata-se do INSS); “manifestação parquetina” (manifestação do Ministério Público), “excelso pretório” (bajulação com o tribunal) e mais outras tolices que são disseminadas e recebidas sem qualquer crítica por advogados, juízes e promotores, pois há quem admire tais bizarrices, o que é chocante. Até a citação de argumento de autoridade tem que ser enfeitada com um reverencialismo comovente: “o insigne mestre”, “o festejador autor”, “o proeminente professor”, “o preclaro doutrinador”, “o autor de escol”, enfim… coisas que, talvez, só aconteçam no Direito.

Na verdade, toda essa parafernália verbal é sintomática e se resume a uma questão: carência de leitura qualificada. Os profissionais estão se atendo, quando muito, à leitura técnica, achando que isso é suficiente para o melhor domínio do vernáculo e, na verdade, há engano nisso, pois a leitura técnica é árida, não cria estilo próprio e nem expande o leque verbal do leitor, pois circunscrito que é àquelas formas de expressão que evidenciam um único sotaque. É preciso conhecer boas obras de literatura universal, é preciso ler a alma humana pelas lentes dos romancistas, ampliar nossa visão periférica e melhorar nosso poder de argumentação para, por fim, compreender que a pena tanto pode ser um habilidoso bisturi verbal, como, também, uma desafinada cuíca verborrágica, tudo a depender de quem a tenha entre os dedos. E, para não se correr o risco de desafinar, escrevamos a nossa peça com objetividade, simplicidade e elegância, de modo que, ao final do texto, dispensemos o brega ex positis, mas, “diante de tudo o que foi exposto”, prefiramos esta última expressão (muito mais chique).

Ser “Politicamente Correto” às Vezes é Perigoso

Infelizmente estamos testemunhando uma fase da história do homem que, de certo modo, nos faz indagar se já não sofremos alguma mutação genética tornando-nos sindrômicos, sendo a estupidez o principal sintoma desta mutação cromossômica. Não sei se este mal se consubstancia numa pandemia, mas, levando-se em consideração que as tolices que por aqui explodem em sucesso também têm explodido na Europa, faz-nos crer que a estupidez sindrômica é fenômeno mundial.

O fato é que já não somos como antes. Há, nitidamente, um processo de imbecilização cujo ápice prefiro não imaginar. E nesse contexto imbecilizatório é que surge a expressão mais chata dos últimos tempos, a mãe de todas as babaquices, qual seja: “o politicamente correto”. Ser politicamente correto é ser amestrado de acordo com os últimos modismos inventados por um grupo ou por alguém que conta com a conivência da mídia. Esse alguém ou esse grupo, por sua vez, pode ser tão indefinido que ganha ares de autoridade, pois se você não conhece como se chegou àquela conclusão é porque você é desinformado, e o medo de se passar por ignorante garante a incolumidade da “nova idéia”.

Em vários quadrantes encontramos o tal politicamente correto. Até nas mesuras, nas chamadas regras do trato social temos uma nova regrinha que acabou de sair do forno, trata-se de uma inovação na forma de cumprimentar a platéia por meio de uma expressão, no mínimo, bajuladora: “Boa noite a todas e a todas”. Quanta tolice. Ora, além de o “boa noite” não poder ser para apenas parte dos presentes o que por si já dispensa o “a todos”, ainda há esse acréscimo “e a todas”. Será que as mulheres estavam se sentindo desprestigiadas por não estarem literalmente incluídas no “a todos”? Ou melhor, será que os homens e somente eles entendiam que o cumprimento a todos alijava a mulher dentre os cumprimentados? Claro que não! Um tolo inventa que isso é mais correto e o efeito manada cuida do resto. Nessa esteira, não será ridículo se, mais adiante, quando formos à uma reunião de pais e mestres, o convite seja mudado para reunião de pais, mães e mestres; tudo vai depender do grau em que a síndrome da estupidez se encontrar.

Mas o problema não é esse. Se a questão se delimitasse às regras de trato social, apenas, restar-nos-ia, tão somente, darmos boas gargalhadas diante de tais invencionices, contudo, o politicamente correto se torna grave quando se consegue transmutar em valor aquilo que é desvalor e em desvalor o que é valor. Em casos tais, a imposição social do que é politicamente correto pode acarretar comportamentos nefastos.

Que cada sociedade mude os seus valores de acordo com suas novas necessidades é fato totalmente natural, o que não é natural é quando essa mudança é deflagrada artificialmente por determinada ideologia, utilizando-se de recursos sutis, sub-reptícios, tendo a mídia como instrumento de controle e de reverberação. Exemplo disso é a questão relacionada ao aborto. A sociedade brasileira é, em sua maioria, contra esta prática que, cá pra nós, não resolve absolutamente nada do ponto de vista do estupro, no entanto, a mídia por meio de suas novelas e filmes tenta incutir na cabeça do telespectador que a mulher é dona de seu corpo e ela é quem deve tomar a decisão até mesmo porque a criança que será gerada poderá ser rejeitada pela própria mãe. São argumentos infantis que não passa pelo crivo de qualquer estatística séria a qual apontará exatamente o contrário. Impressiona o incrível índice de suicídios praticados depois do abortamento, sem falar dos altos índices de depressão profunda a que as mulheres são acometidas após exterminarem aquele ser que embora concebido por violência, era fruto de sua semente e trocava substâncias humorais com ela. Tenta-se resolver uma violência abjeta com uma inegável monstruosidade tirando-se a vida de um terceiro como se fôssemos senhores da vida e da morte. Este é o único caso em que diante de um crime a pena recai no inocente. Se antes condenar a morte era um desvalor, agora é um valor, e como o aborto por força de estupro ganhou o apoio legal, tornou-se politicamente correto por imposição midiática.

Para não bastar, o STF, em mais uma demonstração de que seus membros não estão a altura do cargo que ocupam, inauguraram a eugenia no Brasil. Bebês anencefálicos, como não são “seres vivos”, podem ser retirados terapeuticamente. Nesse contexto, eu gostaria de fazer apenas duas perguntas. A primeira é: caso a mulher resolva ter o filho anencéfalo ela poderia, por exemplo, no dia seguinte, ir na  cozinha, pegar um cutelo e esfaquear o seu filho? Ora, pela lógica do STF pode, pois a única diferença entre a retirada do bebê anencefálico e a atitude da mãe cruel é o ambiente intra ou extra-uterino, ou seja, um é assassinado na barriga, o outro, no berço.  A segunda pergunta é: caso a situação de um bebê seja contrária à do anencefálico, ou seja, digamos que o bebê tenha o cérebro perfeito e o resto do corpo todo deformado, o que lhe condenaria a ficar prostrado numa cama dependente em tudo de outras pessoas, teria direito a mulher a tal retirada terapêutica, já que o fundamento da decisão do STF foi o bem estar da mulher? Em breve saberemos a resposta. O que os espartanos faziam com as crianças “defeituosas” e o que Hitler intentou com a insanidade da raça pura, chama-se eugenia, algo asqueroso do ponto de vista ético, filosófico, biológico, político e espiritual. O STF se preocupou com o bem estar da mulher e esqueceu do bem estar da humanidade. Não é demais lembrar que na Inglaterra e na China já existe o chamado aborto seletivo, em que a mãe pode abortar com fundamento apenas em seu querer, por exemplo: “- já tenho dois meninos e não quero ter esse que está no meu ventre!” Simples assim. Sem falar que na revista Carta Capital um articulista chamado xxxxx classificou  o feto humano de parasita, em uma boa demonstração do que é ser um ogro vazio, ousado e perigoso. Em suma, ter filho independente de como ele seja, já é um desvalor; abortar, ao contrário, é um valor.

Outro exemplo de mudança de valores perpetrado pela mídia envolve a questão da virgindade feminina, pois se antes era valorizada, hoje é ridicularizada. O “bom”, agora, é ser “rodada”, “quilometrada”, pronta para as diversas estripulias. Se uma garota for assídua telespectadora de “Malhação”, por exemplo, é possível que ela tenha sua primeira experiência sexual aos 13 anos, afinal de contas, como costuma pregar as falas dos personagens desta novela interminável:  – “Negar sexo a quem você ama e que também a ama, é bobagem desde que você esteja segura”. É com esse discursinho persuasivo que várias meninas, sem qualquer estrutura psicológica, acabam ou engravidando ou passando a encarar o sexo como algo banal, vulgarizando uma prática tão íntima. Ou seja, a vulgaridade do sexo, antes um desvalor, passou a ser valor. As novelas, os filmes, toda a grande mídia potencializa essa vulgarização. Por tal motivo ser contra essa onda é ser politicamente incorreto, tanto assim, que o próprio Estado passou a distribuir camisinha nas escolas públicas e os que se posicionaram contrariamente foram taxados de alienados, contudo, o único resultado disso foi o absurdo aumento do número de crianças grávidas, fato público que dispensa maiores detalhes. Contudo, não posso deixar de alfinetar que o estrábico Estado não percebeu o óbvio: que a distribuição oficial de camisinha (entre adolescentes) legitima a vulgarização da prática sexual.

Outro dia, enquanto esperava o término de um serviço no meu carro, folheei uma revista chamada Smag, editada aqui mesmo em Alagoas. Chamou-me a atenção um artigo em que o autor defendia uma nova forma de encarar a traição feminina. Para isso, narrou o caso de uma executiva que era noiva e precisou passar alguns dias no Maranhão para um treinamento profissional. No último dia resolveu permitir que um colega de outro Estado subisse ao seu quarto e dormisse com ela. Ao voltar continuou a sua vida com o seu noivo como se nada tivesse acontecido. Para o articulista, o que a executiva fez não foi traição, mas apenas explorou a sua feminilidade e o seu potencial enquanto mulher, em nada afetando a sua relação com seu noivo. Com mais revistas desse calibre e mais articulistas com esse nível de degenerescência, dentro de alguns anos, trair será um valor e ser fiel, um desvalor. A mulher fiel será chamada de banana, bobinha ou coisa que o valha. Aliás, existem sítios na web especializados em traição. Só podem fazer parte dele pessoas casadas que desejam trair seus maridos ou mulheres. Garante absoluto sigilo de tudo.

É mole ou queres mais?

Infelizmente, a sociedade em seu trajeto pela história encontra-se, neste momento, no itinerário dos horrores, pois já desliza pelo esgoto em direção ao mergulho fecal, afinal, numa realidade em que não gostar de Galã do Brega ou de Michel Teló e congêneres é ser careta, vê-se que a sarjeta é serventia da casa. E o STF, sem cérebro, julgando causas que envolvem semelhantes! Durma com uma zoada dessa!!